[11] Judaísmo como Ciência das Mitzvot no existencialismo judaico de R. Abraham Heschel

A Estrela da Redenção
3 min readJun 24, 2020

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O Rabino Abraham Joshua Heschel (1907–1972) escreveu diversos livros sobre filosofia do judaísmo, com temáticas do existencialismo judaico e ligado à ala conservadora do judaísmo (uma ala ‘não-ortodoxa’, a ala conservadora sendo ‘centrista’ entre os ortodoxos e os reformistas).

Em um desses livros, “God in Search of Man: a philosophy of judaism” (Deus em Busca do Homem: uma filosofia do judaísmo; 1955), ele chama o judaísmo de uma ‘ciência das obras’, sendo essas obras/atos/atitudes definidas em termos de Mitzvot (Mitzvá, no singular).

(Capa do livro citado)

Ele salienta que o termo Mitzvá não tem um paralelo preciso nas línguas ocidentais, porque o cristianismo não trabalhou com esse conceito judaico (apesar de sua presença no “Velho” Testamento). Geralmente traduz-se Mitzvá como ‘mandamento’, mas é possível dizer de uma pessoa que ela adquiriu Mitzvá, que as Mitsvot são amigas da pessoa e que sem elas a pessoa fica “nua”. Esses usos metafóricos deixam claro que o termo não se esgota na tradução como “mandamento”.

A ideia de Mitzvot é a de atos (ou não-atos, no caso de proibições) que agradam a Deus. Por cumprir o ato ou o não-ato em questão, a pessoa se consagra um pouquinho mais a Deus. É como se o ato em questão fosse uma oferta a Deus, que aproxima Deus e a pessoa.

No pensamento judaico Mitzvá seria um conceito mais importante que o de pecado (Averah, no hebraico), por incrível que possa parecer… É o cristianismo quem deu primazia ao conceito de pecado em seu modo de ler as Escrituras (incluindo a Hebraica).

Por exemplo, peguemos a história de Adão e Eva comendo o fruto proibido. No contexto cristão isso é chamado de ‘pecado original’ que fez a humanidade inteira ser dominada pelo pecado e condenada ao inferno eterno ou à morte eterna.

Essa linguagem da “dominação do pecado” e similares no cristianismo denotam que neste o pecado ganhou uma conotação substancial, como uma “coisa” com um ser próprio. Nós somos escravos do Pecado e Jesus veio para nos libertar do domínio do Pecado.

Já no contexto judaico R. Heschel salienta que o pecado de Adão e Eva foi descrito como uma perda de Mistvá. Uma oportunidade desperdiçada. Eles poderiam ter mantido consigo essa tarefa simples que os reunia a Deus, “que os cobria”, mas se desfizeram dela de propósito, ficando “nus” (Gênesis 3:7).

Um parêntesis: Note que o Gênesis (3:16–19) trata as consequências desse pecado não como uma condenação eterna pós-morte ou um domínio do pecado, mas sim como malefícios muito mundanos: o fato de morrermos, das mulheres serem oprimidas pelos homens, as dores do parto e a necessidade de trabalhar pra conseguir sobreviver. O “pecado de Adão” não desempenha qualquer papel em todo a Bíblia Hebraica, nunca é mencionado exceto brevemente no Gênesis. Apenas no Novo Testamento cristão que surge essa conotação de “pecado original”.

R. Heschel menciona que no Iídiche (antiga língua dos judeus askhenazi), no qual “a maneira de pensar judaica é revelada”, fazer uma Mitsvá significa adquirir um poder espiritual. Em sentenças como “dê-me um copo de água, você adquirirá um ganho espiritual [uma Mitsvá]”. Por outro lado, fazer uma averah (um pecado) nesse idioma significa desperdiçar, fazer uma despesa sem propósito. A averah judaica é simplesmente ausência de ganho, a perda de algo valioso, deixar de obter algo. Ele não conota algo de substancial como fomos acostumados a pensar no Ocidente.

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Releitura existencial da Bíblia Hebraica via existencialismo judaico + tradição judaica e pesquisa bíblica acadêmica. Doutor em Filosofia Valdenor Brito Jr.

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