[16] Farei convosco uma eterna aliança…
A Bíblia Hebraica entende as Mitzvot (as práticas que conectam as pessoas com Deus) como decorrentes de uma aliança prévia com Deus. ‘Aliança’ é um termo que vem da antiga cultura mesopotâmica, para designar ‘tratados políticos’. Então, quando se fala que Deus fez uma aliança com o povo judeu, significa que o povo judeu fez um Tratado com Deus de adorar unicamente a Ele sob o seu nome inefável (YHWH), sem nenhum intermediário ou ‘outros deuses’, algo que não é cobrado dos outros povos porque os outros não tomaram parte nesse acordo.
Mas os outros povos também estão sob uma aliança com Deus, que a tradição judaica entendeu ter sido feita via Noé. Isso levou à ideia de 7 Leis de Noé, que seriam a base mínima de Miztvot obrigatórias para ser seguidas por não judeus:
1- Não praticar idolatria;
2- Não blasfemar contra Deus;
3- Não cometer homicídio;
4- Não roubar;
5- Não cometer adultério e relações incestuosas;
6- Não molestar os animais ingerindo um órgão retirado em vida;
7- Estabelecer tribunais para a realização da justiça.
Um não judeu pode cumprir Miztvot que estejam na Lei Judaica, em adição às leis de Noé, mas o fará voluntariamente, não com base nas ‘obrigações da Aliança’. As obrigações de um não judeu pelo judaísmo são bem menores que a de um judeu.
Ainda discutiremos mais a fundo esse entendimento judaico sobre os ‘outros povos’, mas a Miztvot de não praticar idolatria não é uma condenação absoluta a outras religiões. Os não judeus podem adorar a Deus via o que eles acreditem ser mediadores ou colaboradores, mesmo se estes forem entendidos como ‘deuses’ também (Schulchan Arukh, Orach Chayim, 156). De Israel é cobrado mais do que isso porque Deus se revelou a eles diretamente na história desse povo.
E por que uma aliança? Porque na concepção judaica Deus não se envolve com o mundo num sentido abstrato, e sim pessoal. Esse ‘pessoal’ sendo entendido a partir de comunidades históricas. A premissa, seja para os judeus ou para toda a humanidade, é sempre a mesma:
1- Deus oferece primeiro, por sua graça, um benefício MATERIAL a uma comunidade, geralmente envolvendo uma terra para se estabelecer como povo e viver de forma livre da opressão;
2- Em contrapartida, depois disso, a comunidade precisa seguir as Mitzvot, em especial pelo estabelecimento de uma comunidade humana justa, que é a sua parte do acordo.
No caso do povo judeu, isso é mais fácil de entender por conta da questão da ‘terra prometida’ e da libertação da escravidão no Egito. Mas isso acontece também na aliança com Noé. Nesta Deus promete dar as terras aos povos e aos animais perpetuamente, se comprometendo a nunca mais destruir a humanidade e os animais como no dilúvio:
“E Eu, eis que estabeleço a minha aliança convosco e com vossa descendência, depois de vós. E com toda alma viva que está convosco, com a ave, com o animal e com todo animal selvagem da terra convosco, todos os que saíram da arca, todo animal da terra. E estabelecerei a Minha aliança convosco, e não mais será destruída nenhuma criatura nas águas do dilúvio, e não mais haverá dilúvio para destruir a terra… E estará o arco-íris na nuvem, e vê-lo-ei para recordar a aliança eterna entre Deus e entre toda alma viva e toda criatura que esteja sobre a terra” (Gênesis 9:8–11,16)
E a tradição judaica estende isso, pelo conceito das 70 nações que provieram de Noé. A cada nação foi dada uma terra para viver sem opressão de outras nações (por exemplo, a terra dos egípcios era de fato ‘dos egípcios’). E Deus traz libertação da opressão aos outros povos também mesmo que estes não o cultuem:
“Não retirei Israel da terra do Egito, aos filisteus de Caftor, e Aram de Kir?” (Amós 9:7)
Em última instância, o MESMO se aplica a Adão e Eva no jardim do Éden. Deus deu uma terra ao casal original, e em contrapartida eles deveriam seguir uma Mistvá, a de não comer da árvore do conhecimento do bem e do mal. Mas eles desobedeceram a aliança, e sendo tão ‘íntimos’ com Deus, pois este andava pelo jardim com eles, a consequência da expulsão daquela terra era drástica (a mortalidade, o trabalho duro etc. fora do Éden). Isso permite ao profeta Oséias comparar os israelitas com Adão, a única vez que a Bíblia Hebraica fala de Adão fora da história em Gênesis:
“Mas eles, como Adão, transgrediram a aliança na terra que lhes concedi, agindo traiçoeiramente contra mim.” (Oséias 6:7)
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