[17] Como ler a Bíblia Hebraica? Os diferentes tipos de literatura bíblica
Neste post mostrarei quais são os diferentes tipos de texto presentes na Bíblia Hebraica/’Velho’ Testamento’ e como eles se relacionam. Para entendê-la, você precisa TIRAR DA SUA CABEÇA a ideia de que a Bíblia ensina uma doutrina unificada de forma direta e linear, que tudo que tem dentro dela tem peso igual, e que ela deve ser lida de uma forma ‘especial’, diferente de como leríamos outros livros.
Ao contrário, a Bíblia Hebraica na verdade é uma compilação de livros escritos ao longo de 600–700 anos que apresenta muitas vozes e muitas camadas, cujos autores nem sempre seguem ‘ordem cronológica’ ou ‘raciocínio linear’. É justamente disso que vem a força do texto bíblico original.
A questão do ‘peso’ diferente dos livros bíblicos é crucial. Por intermédio do método histórico, a gente pode fazer a seguinte divisão:
1) Livros autorais num sentido forte (ou quase isso);
2) Livros-compilações de textos temáticos;
3) Livros que editam (e nesse sentido retrabalham) as fontes orais e escritas mais antigas sobre a história do povo ou narram uma história sobre um indivíduo específico que originalmente era contada na tradição oral.
Aqui a ordem vai daquilo que está mais diretamente vinculado ao contexto de que fala (os livros autorais) para o que está mais distante (os livros que editam fontes mais antigas).
Na primeira categoria, nós temos os livros que fazem parte do profetismo clássico israelita. São eles: Isaías, Jeremias, Ezequiel, Oséias, Amós, Miquéias, Joel, Obadias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias. (Jonas é uma exceção, estando na categoria 3, mas deve ser lido junto com essa categoria 1 por fazer parte do profetismo israelita clássico)
Estes livros são a fonte histórica com melhor respaldo, por transcreverem a mensagem dos profetas na maior parte via sua própria escrita e, portanto, ao tempo dos acontecimentos em que esses profetas viveram, entre 2.700 e 2.500 anos atrás (num período que vai de 150 anos antes do exílio dos judeus na Babilônia até algumas décadas após o retorno do exílio)
Na segunda categoria, temos os livros que fazem parte da literatura de sabedoria e da literatura de cânticos.
Como literatura de sabedoria, temos Provérbios e Eclesiastes. (Jó também, mas falaremos dele na próxima categoria)
Como literatura de cânticos, temos os Salmos, Lamentações (geralmente denominada de ‘Lamentações de Jeremias’) e o Cântico dos Cânticos.
Esses livros são temáticos, não pretendem contar como algo aconteceu, mas ajudam a entender uma forma significativa que a vida religiosa israelita assumiu ao longo de séculos (tanto antes e depois dos profetas, como na própria época deles).
Na terceira categoria, temos os livros que contam histórias. Temos 2 categorias internas aqui: livros que contam a história do povo de Israel e livros que contam a história de um indivíduo.
Entre os livros que contam a história do povo de Israel, a maioria desses livros dependem de fontes orais ou escritas anteriores. A finalização desses livros foi ocorrendo a partir do meio do período dos livros proféticos elencados na primeira categoria, mesmo que usem fontes mais antigas que os profetas. Com os métodos da crítica histórica, conseguimos extrair quais as fontes mais antigas e qual a marca editorial posterior. E também o que é material puramente lendário, o que é lenda baseada em fatos reais, e o que é fato histórico ‘puro’.
Nessa subcategorias temos os livros que contam:
1) do início da humanidade até os ancestrais da nação israelita (Gênesis);
2) da libertação do povo hebreu da escravidão no Egito e suas andanças no deserto antes de entrar na terra prometida, com várias leis sendo ensinadas (Êxodo, Levítico, Números);
3) a História Deuteronomista, que começa com:
3.1.) um livro que reconta o que está em ‘2’ mas já pressupondo os profetas e a monarquia posterior e adicionando leis para isso (Deuteronômio);
3.2.) livros que contam a história de Israel na terra prometida até o exílio na Babilônia (Josué, Juízes, 1–2 Samuel, 1–2 Reis);
4) livro q conta a volta do povo judeu para a terra de Israel do exílio babilônico (Esdras, Neemias);
5) um livro que reconta 3.2. até o momento em que é emitida a ordem para o retorno dos judeus da Babilônia (1–2 Crônicas).
Entre os livros que contam a história de indivíduos selecionados, estes são os de menor valor histórico. São na maioria lendas, quando muito lendas baseadas em fatos reais, mas que não obstante, ensinam algo significativo no contexto bíblico. Nessa subcategoria temos:
1) Histórias de não judeus que ou entraram no povo de Israel (Rute) ou discutem a questão do sofrimento no contexto da literatura de sabedoria (Jó);
2) Histórias de judeus vivendo fora de Israel, em meio a um outro povo seja o babilônico (Daniel; que a tradição judaica entende como um sábio enquanto a cristã como um profeta) seja o persa (Ester);
3) Uma história (talvez já na origem sendo metáfora apenas) de um profeta como os autorais que mencionei lá em cima, mas indo pregar fora da terra de Israel uma mensagem para um povo inimigo de Israel, a Assíria, no território dela (Jonas). Esse livro deve ser lido junto aos livros proféticos clássicos, apesar de ter uma estrutura peculiar.
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