[2] Caso-limite: um ateu pode ser um existencialista religioso?

A Estrela da Redenção
3 min readJun 21, 2020

--

É óbvio que pessoas que acreditam em Deus podem ser existencialistas religiosos. Igualmente é óbvio que pessoas que não acreditam em Deus podem ser existencialistas ateus. Mas será que alguém que não acredita em Deus poderia ser um existencialista religioso?

A maioria dos existencialistas religiosos acreditam em Deus num sentido tradicional ou não-tradicional, mas um existencialista religioso pode ser agnóstico e até mesmo ateu dependendo da definição que se dá para esses termos.

O debate tradicional sobre a existência de Deus é feito atualmente na chamada filosofia analítica da religião (que é sucessora da antiga teologia natural). Ela nos dá definições ‘técnicas’ para ateísmo e agnosticismo.

O ateu filosófico é aquele que pensa que há razões suficientes para acreditar que Deus não existe e o agnóstico filosófico é aquele que pensa que não tem razões suficientes nem para afirmar nem para negar Deus. Já o teísta filosófico (ou panteísta, deísta, transteísta etc.) pensa que há razões suficientes para pensar que Deus existe.

Pode ser que no debate de filosofia analítica da religião o agnosticismo filosófico ou o ateísmo filosófico sejam a melhor opção MAS que no debate sobre existencialismos a melhor posição é a de que vida só tenha sentido quando olhamos o mundo de uma perspectiva que recorra a Deus como símbolo ou aos símbolos de uma tradição religiosa em geral (isto é, o existencialismo religioso). Nesse caso a pessoa defenderia que a religião pode ter valor existencial mesmo que noções sobre Deus NÃO sejam fatos objetivos.

Cena do filme Nattvardsgästerna [Luz de Inverno], Ingmar Bergman, 1963, que retrata um reverendo luterano que perdeu sua crença em Deus mas ainda persiste no ministério religioso — parte da clássica “trilogia do silêncio” de Bergman, que tematiza o ‘silêncio de Deus’

A ideia de ‘religião para naturalistas’ (o que inclui ateus) entra aqui. Algumas formas de ‘teologia da morte de Deus’ também. Talvez o ‘ateísmo fiel’ de André Comte-Sponville seja um exemplo, mas não estou totalmente seguro disso.

Revista Time, 1966

Agora, talvez você leitor esteja insatisfeito. Alguém que dá tanto peso assim ao divino ou ao transcendente em sua atitude existencial para com a vida, pode ainda se chamar um ateu? Bem, palavras são assim mesmo. Elas tem uma conotação e um estereótipo… No fundo, depende da definição.

Por outro lado, poderia um existencialista ateu ser um crente religioso? Acredito que sim. Nesse caso o crente em Deus pensaria que uma das melhores formas de dar sentido à vida pode ser estabelecida sem linguagem religiosa e sem Deus. (isto é, existencialismo ateu) Mas esta pessoa teria a convicção de que Deus existe e das duas umas: 1) ou Deus não provê nenhum sentido à vida (por exemplo, talvez não tenha nenhuma conexão com nosso mundo); 2) ou Deus provê sentido à vida, mas o sentido puramente secular é igualmente válido ou algo próximo o suficiente disso.

Eu nunca encontrei um autor que defendesse explicitamente esta posição, enquanto talvez Heidegger seja um exemplo. Ele fazia uma filosofia ateia e nesse sentido foi um filósofo ateu, mas aparentemente permaneceu pessoalmente católico — algo ainda não totalmente esclarecido em sua biografia.

Lista com TODOS os posts do blog (links)

Post Anterior [1] O que é o existencialismo religioso (judaico e cristão)?

Próximo Post [3] Existencialismo judaico versus existencialismo cristão

--

--

A Estrela da Redenção

Releitura existencial da Bíblia Hebraica via existencialismo judaico + tradição judaica e pesquisa bíblica acadêmica. Doutor em Filosofia Valdenor Brito Jr.