[29] O Meu Reino é DESSE mundo

A Estrela da Redenção
3 min readJul 11, 2020

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“Vida Longa e Próspera”. Muita gente conhece a famosa saudação vulcana do Spock, que pronuncia esta frase junto com um gesto de mão bem característico e se tornou um ícone da cultura pop e nerd.

Spock fazendo a saudação vulcana, personagem de Star Trek interpretado por Leonard Nimoy, que era judeu.

O que pouca gente sabe é que a saudação vulcana, tanto o gesto de mão quanto a frase pronunciada, é baseada na Bênção Sacerdotal, até hoje praticada em sinagogas judaicas, nas quais os descendentes dos sacerdotes (Cohanim) do antigo Templo abençoam a congregação. Enquanto o ofício sacerdotal não seja mais exercido desde a destruição do Segundo Templo pelos romanos (não confunda: rabinos NÃO são sacerdotes), esta prática ainda é preservada por intermédio dos descendentes dos Cohanim entre os judeus atuais.

Placa Cerâmica retratando a Benção Sacerdotal, Amir Rom.

O gesto da mão é feito de forma a lembrar a letra hebraica Shin ( ש ). Ela é associada ao nome divino El Shaddai ( אֵל שַׁדַּי ), que significa “Altíssimo” ou “Deus Altíssimo”. O texto da Bênção é encontrado em Números:

“Que o Eterno te abençoe e te guarde;
Que o Eterno faça resplandecer o Seu rosto sobre ti, e te agracie;
Que o Eterno sobre ti levante o Seu rosto e te conceda paz.” (Números 6:24–26)

Como é possível observar, tais bênçãos são dádivas nesse mundo aqui. O comentador clássico Rashi comenta que a Bênção Sacerdotal refere a posses materiais, segurança física, orientação para a vida, ausência de tribulações etc. As outras Bênçãos da Torá como em Levítico 26:3–13 e Deuterônomio 28:3–13 também são mundanas e focadas na comunidade. Ninguém na Torá (ou no resto da Bíblia Hebraica) estava preocupado com a ‘salvação da alma’, mas sim com uma vida longa e próspera em comunidade NESSE mundo.

A vida no judaísmo não é vivida em função de uma outra existência após a morte. O objetivo da vida está aqui mesmo, em usufruir do melhor dela na medida do possível e construir um mundo melhor. O judaísmo não prega o ascetismo. Voluntariamente privar-se de benefícios mundanos (incluindo o prazer sexual) e abdicar de bens materiais NÃO é recomendado pela Torá. Ao contrário, o seu objetivo é criar comunidades humanas que possam viver bem nesse mundo:

“o Eterno disse a Abrão: Sai-te da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei. E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei e engrandecerei o teu nome; tu serás uma bênção…. e em ti serão benditas todas as famílias da terra.” (Gênesis 12:1-3)

A Bênção Sacerdotal foi estabelecida em benefício dos vivos, em uma continuidade ‘eterna’ neste mundo daqueles que viveram no passado, vivem no presente e viverão no futuro ainda que distante.

Que a Benção seja para os vivos é tão verdade que a Torá chegou a proibir os sacerdotes de se aproximarem dos mortos. Apesar dessa ser uma lei ‘sem razão aparente’, o Rabino Benjamin Blech comenta uma intrigante interpretação para ela à luz da ênfase do judaísmo nesta vida:

“Em muitas outras religiões, o principal foco não está na vida, mas na morte; não neste mundo, mas no mundo vindouro. Os sacerdotes pagãos concentraram seus esforços em fazer contato com espíritos ou em ajudar pessoas a enfrentarem o mistério da morte. Imagine o que significou quando a lei judaica disse que os seus rabis, seus antigos líderes religiosos, estavam proibidos de ter qualquer contato com os mortos. Afinal, o que era esperado que fossem as suas funções? Obviamente, lidar com a vida. No judaísmo, Deus diz à humanidade: ‘Meu reino é deste mundo.’ Viva bem sua vida neste mundo e o que virá depois não deve preocupá-lo por enquanto.” (Benjamin Blech, O Mais Completo Guia sobre Judaísmo, grifo meu)

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A Estrela da Redenção

Releitura existencial da Bíblia Hebraica via existencialismo judaico + tradição judaica e pesquisa bíblica acadêmica. Doutor em Filosofia Valdenor Brito Jr.