[30] A Voz Profética para os Injustiçados no Existencialismo Judaico de Heschel

A Estrela da Redenção
3 min readJul 14, 2020

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“Profecia é a voz que Deus emprestou à agonia silenciosa, uma voz aos pobres saqueados. Deus está furioso [com a injustiça] nas palavras do profeta.” (Abraham Heschel)

A Profecia Israelita Clássica, que como já argumentei é a chave-interpretativa para a Bíblia Hebraica como um todo, tem como sua perspectiva existencial uma preocupação com o futuro de comunidades humanas inteiras no longuíssimo prazo. E uma de suas queixas centrais diz respeito à maneira como essas comunidades fazem ou não justiça aqui e agora, em como tratam os necessitados, os pobres e os injustiçados.

Quando apreciamos devidamente os pontos que comentei nos posts anteriores, sobre a ausência da vida após a morte no horizonte existencial da Bíblia Hebraica, fica mais claro como a questão da justiça nos profetas não diz respeito ao pós-morte ou ao ‘fim do mundo’.

A redenção pela qual os profetas anseiam não é uma realização apocalíptica ou espiritualizada, mas sim uma realização HISTÓRICA e MATERIAL em prol de uma realidade sociopolítica comunitária que espelhe NESSE mundo aquilo que Deus é. E nós temos um papel a contribuir para isso, mesmo que talvez os resultados só apareçam muitas gerações depois da nossa.

Claramente o profetismo clássico é um prato-cheio para análises existencialistas. Já falamos antes, nos posts [11], [13] e [14], sobre o existencialismo judaico do R. Abraham Heschel, ligado principalmente ao judaísmo conservador/masorti, que escreveu várias obras sobre filosofia do judaísmo.

Uma de suas obras mais clássicas é justamente dedicada ao profetismo israelita, “The Prophets” (Os Profetas), de onde tirei a citação do início deste post.

Este livro foi publicado em inglês em 1962, uma expansão de sua tese de doutorado “A Consciência Profética”, escrita em alemão na Universidade de Berlim aos 25 anos de idade, tendo defendido a tese poucas semanas depois que Hitler subiu ao poder (1932). A tese foi publicada em 1935. (Heschel escapou da Alemanha Nazista em 1940, mas sua mãe e três de suas irmãs que vivam na Polônia foram assassinadas pelos nazistas)

A questão da voz profética, como uma voz que Deus dá à agonia dos injustiçados, foi tão verdadeira para Heschel, que isso o motivou a se engajar na luta concreta pela justiça social, como no movimento pelos direitos civis dos negros e no ativismo anti-guerra do Vietnã nos EUA da década de 60.

R. Heschel ao lado de Martin Luther King Jr., protestando em favor dos direitos civis dos negros nos EUA.

No Introdução especial à edição de 2001, Susannah Heschel, sua filha, comenta que uma das mais vívidas memórias de sua infância é a do sábado à noite que seu pai saiu de casa para se juntar a Martin Luther King Jr. na Marcha pelos Direitos Civis de 1965 de Selma à Montgomery, a capital do Alabama. Ela recorda sua apreensão pois, duas semanas antes, a força policial do Alabama havia espancado brutalmente manifestantes pacíficos, episódio que ficou conhecido como Domingo Sangrento (Bloody Sunday).

Segundo Susannah Heschel, a marcha foi uma ocasião profundamente espiritual para seu pai. Ao chegar em casa, ele disse à ela:

“Eu senti minhas pernas rezando.” [I felt my legs were praying]

E ela também comenta que, posteriormente, seu pai atrelou a questão dos Direitos Civis aos profetas israelitas antigos:

“As instituições religiosas judaicas tem de novo perdido uma grande oportunidade, a saber, a de interpretar o movimento dos Direitos Civis em termos de judaísmo. O vasto número de judeus participando ativamente nele estão totalmente inconscientes do que o movimento significa em termos das tradições proféticas.”

A principal tese do R. Heschel nesse livro é a ideia do ‘pathos’ profético. O que intrigava Heschel não era a natureza da profecia em abstrato, mas sim saber QUE TIPO DE EXPERIÊNCIA é a do profeta? Ou: QUAL TIPO DE PESSOA é o profeta? E ainda: como seria SER um profeta?

Isso é o que nós iremos descobrir nos próximos posts.

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Releitura existencial da Bíblia Hebraica via existencialismo judaico + tradição judaica e pesquisa bíblica acadêmica. Doutor em Filosofia Valdenor Brito Jr.