[31] Que tipo de pessoa é o profeta? [Heschel]
“What manner of man is the prophet?” [Que tipo de homem de é o profeta?] Com essa pergunta o R. Abraham Heschel abre o 1º capítulo de seu livro “The Prophets” (1962; edição de 2001), sobre o profetismo israelita clássico.
Como introduzi no post anterior, a preocupação do existencialista judaico Abraham Heschel aqui é com a caracterização do que há de singular na consciência profética clássica, um fenômeno único em toda a história mundial.
E o que mais pode surpreender é a aparente mundanidade de suas mensagens e a forte carga emocional de suas atitudes.
Como R. Heschel coloca, um estudante de filosofia que fosse dos discursos dos grandes metafísicos para as orações dos profetas pode sentir como se ele tivesse ido do domínio do sublime para uma área de trivialidades. Ao invés de lidar com grandes questões filosóficas atemporais e com demonstrações lógicas, somos imersos em orações sobre viúvas e órfãos, sobre a corrupção dos juízes e assuntos do mundo dos negócios.
Os profetas tiram nossa atenção das elegantes mansões da intelectualidade e nos levam para suas favelas. O mundo é um lugar cheio de beleza, mas os profetas estão escandalizados! E alguém poderia, então, pensar: “Ok, mas e daí que em algum lugar da antiga palestina pessoas pobres não foram tratadas adequadamente pelos ricos? Por que uma indignação tão intensa? Por que uma emoção exagerada dessas?”
Afinal, aquilo que indignava os profetas são ocorrências diárias no mundo inteiro, geralmente entendidas como ingredientes típicos e normais da dinâmica social. Heschel comenta:
“Para nós, um único ato de injustiça — trapacear nos negócios, exploração dos pobres — é algo leve; mas para os profetas é um desastre. Para nós a injustiça é prejudicial para o bem-estar do povo; para os profetas é um golpe de morte para a existência como tal. Para nós, um episódio; para eles, uma catástrofe, uma ameaça para o mundo.” (p. 4)
Ou seja, nós temos consciência de que continuamente são praticados em nossa sociedade atos de injustiça, manifestações de hipocrisia, falsidade, ultraje, miséria.. e ainda assim nós continuamos vivendo normalmente. Já para os profetas, mesmo uma injustiça pequena assumia proporções cósmicas!
Mas afinal, eles não estão exagerando? Afinal, parece desproporcional que por conta de alguns atos de injustiça infligida contra os pobres insignificantes e desprovidos de poder, a gloriosa cidade de Jerusalém deva ser destruída e a nação inteira ir para o exílio!
R. Heschel concorda que as palavras dos profetas manifestam o despertar de emoções violentas. Mas, se nós chamamos essa profunda sensibilidade para o mal como ‘histérica’, que nome então deveríamos dar para a INDIFERENÇA abismal para o mal contra à qual os profetas se levantam?
O profeta de fato não é alguém que tenta acalmar seus nervos, distrair-se de suas lembranças e assim silenciar sua consciência. Ao contrário, o profeta é uma pessoa que SENTE de forma feroz. Ele sente a agonia silenciosa dos injustiçados em toda a sua força. Sim, o profeta não é uma pessoa tranquila. Ao contrário, é uma pessoa profundamente IRREQUIETA. O objeto de sua preocupação? A existência de um povo inteiro, em cujo destino o profeta está profundamente envolvido…
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