[33] Sentindo os Sentimentos de Deus: o Pathos Profético [Heschel]
Como vimos nos últimos 3 posts, para o importante pensador do existencialismo judaico R. Abraham Heschel, os profetas clássicos do antigo Israel demonstraram uma perspectiva de grande sensibilidade à injustiça e ao mal. Mas de onde provém tal sensibilidade?
R. Heschel entende que essa sensibilidade deriva do ‘pathos’ profético. O profeta simpatiza com Deus, vê o mundo a partir da perspectiva da Divindade. Mais do que isso, o profeta SENTE os SENTIMENTOS DE DEUS.
No profeta encontramos uma pessoa que teve seus sentimentos alinhados àqueles que seriam o da própria Divindade. Assim, ele pode elaborar a situação ATUAL conforme Deus a vê AQUI E AGORA. Uma exegese da existência da perspectiva divina.
Essa ênfase no momento presente se deve ao fato de que, nos profetas israelitas, não vemos uma discussão geral sobre a relação entre Deus e o mundo. Ao contrário, trata-se de encontrar um caminho diante de um desafio concreto e particular, neste caso, os desafios da injustiça e da idolatria na vida comunitária, o risco de extinção de todo um povo que se segue e como superar tais coisas em gerações que ainda virão, tudo isso no contexto dos antigos Reinos de Israel e Judá dos séculos 8º ao 6º AEC.
Como Heschel comenta, os profetas não têm nenhuma teoria ou ‘ideia’ de Deus, mas eles entenderam Deus. Não encontramos ali uma exposição filosófica objetiva dos homens sobre Deus. Ao invés disso, temos insights dentro da perspectiva DE Deus SOBRE os homens. Assim, os profetas não falam de ideias SOBRE Deus, eles falam das atitudes DE Deus.
Mas qual era o sentimento e a atitude de Deus naqueles séculos nos quais os profetas viveram?
Ele está irado com a injustiça. Ele está irado com os serviços religiosos desassociados da prática da justiça e do bem. Ele está irado com a crueldade de homem contra homem e povo contra povo. Ele é muito paciente, mas sua paciência tem limites.
Ele está preocupado com o povo hebreu e a fidelidade deste a Ele e tão somente a Ele. Ele está preocupado com todos os povos da terra, com base na maneira como estes estabelecem ou não justiça dentro de seus respectivos povos e nas suas relações uns com os outros.
Ele está irado, muito irado, com o mal, a injustiça, a infidelidade de seu povo. Destruição está determinada. Sua ira será sentida por 3 gerações. Mas Ele é misericordioso, para infinitas gerações. Ele não tem prazer na morte do ímpio. Ele não tem prazer no sofrimento de ninguém, ao contrário, Ele os sente como dor em Si mesmo.
É com dor e pesar em seu coração que Ele terá de manifestar sua ira, destruindo todas as instituições do povo de Deus. Mas mesmo em sua ira Ele estará conosco — Ele também destruirá a si mesmo (ao destruir o Templo Sagrado em que Habita) e, assim, irá, com seu povo, para o exílio. No meio de sua ira, já a sua misericórdia começa.
E aquilo que era maldição será transformado em bênção: as velhas instituições passarão por uma destruição radical, o que abre caminho para uma ordem mais justa e para uma redenção comunitária ainda maior. O mundo será para sempre modificado! Porque assim Deus se sentiu naqueles 3 séculos há mais de 2 milênios e meio atrás….
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