[45] O Deus Anti-Religioso (e Pró-Justiça) dos Profetas

A Estrela da Redenção
3 min readAug 27, 2020

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Uma das características mais peculiares do profetismo israelita clássico estava em sua crítica da ‘religiosidade’. Temos de lembrar que o profetismo começou há cerca de 2.780 anos atrás, então a crítica à religiosidade é fundacional na Bíblia Hebraica (e agora você terá condições de perceber que não foi Jesus de Nazaré quem criou esse tipo de crítica, ele seguiu o profetismo nisso).

Desde o início os profetas foram muito consistentes em questionar a tentativa de agradar o divino com base em religiosidade, ao invés de atos de justiça e bondade.

Para o culto dos deuses das nações vizinhas (a idolatria que os profetas atacam entre os israelitas que o copiavam), essa dissociação entre religiosidade e justiça não era um problema. Como comentei no post anterior, isso era um dos motivos pelos quais os profetas encontravam uma conexão profunda entre injustiça e idolatria no contexto em que viveram.

Do ponto de vista profético, esses deuses ‘aceitavam’ subornos, isto é, os sacrifícios e rituais voltados para eles eram agradáveis a eles mesmo que a conduta ética e social de seus devotos fosse deplorável.

Mas o Deus dos profetas não era assim. Pode-se dizer que o Deus dos profetas era mesmo um Deus anti-religioso. Por intermédio dos profetas, esse Deus declara que todos os sacrifícios, festas religiosas, louvores, cânticos etc. dedicados a Ele são objetos de seu ÓDIO se tal culto é dissociado da prática da justiça e que Ele prefere a ação justa acima de toda e qualquer religiosidade:

“Odeio, desprezo as vossas festas, e as vossas assembleias solenes não me exalarão bom cheiro. E ainda que me ofereçais holocaustos, ofertas de alimentos, não me agradarei delas; nem atentarei para as ofertas pacíficas de vossos animais gordos. Afasta de mim o estrépito dos teus cânticos; porque não ouvirei as melodias das tuas violas. Corra, porém, o juízo como as águas, e a justiça como o ribeiro impetuoso.” (Amós 5:21–24)

“Porque eu quero a misericórdia, e não o sacrifício; e o conhecimento de Deus, mais do que os holocaustos.” (Oséias 6:6)

“Com que me apresentarei ao Senhor, e me inclinarei diante do Deus altíssimo? Apresentar-me-ei diante dele com holocaustos, com bezerros de um ano?
Agradar-se-á o Senhor de milhares de carneiros, ou de dez mil ribeiros de azeite? Darei o meu primogênito pela minha transgressão, o fruto do meu ventre pelo pecado da minha alma?
Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o Senhor pede de ti, senão que pratiques a justiça, e ames a benignidade, e andes humildemente com o teu Deus?” (Miquéias 6:6–8)

“Seria este o jejum que eu escolheria, que o homem um dia aflija a sua alma, que incline a sua cabeça como o junco, e estenda debaixo de si saco e cinza? Chamarias tu a isto jejum e dia aprazível ao Senhor?
Porventura não é este o jejum que escolhi, que soltes as ligaduras da impiedade, que desfaças as ataduras do jugo e que deixes livres os oprimidos, e despedaces todo o jugo?
Porventura não é também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres abandonados; e, quando vires o nu, o cubras, e não te escondas da tua carne?” (Isaías 58:5–7)

O culto que o Deus “anti-religioso” dos profetas israelitas clássicos mais deseja é que se faça justiça aos pobres e aos vulneráveis, que os oprimidos sejam libertados, que se pratique justiça comutativa e justiça distributiva na comunidade, que os necessitados tenham suas necessidades supridas, que os forasteiros e estrangeiros tenham seus direitos respeitados, e assim por diante.

“Le Thérapeute” [O Terapeuta], Rene Magritte, 1937.

É tal prática profundamente social da justiça aquilo em que consiste conhecer ao Deus de Israel:

“Assim diz o Senhor: Exercei o juízo e a justiça, e livrai o espoliado da mão do opressor; e não oprimais ao estrangeiro, nem ao órfão, nem à viúva; não façais violência, nem derrameis sangue inocente neste lugar. […] Julgou a causa do aflito e necessitado; então lhe sucedeu bem; porventura não é isto conhecer-me? diz o Senhor.” (Jeremias 22:16)

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Written by A Estrela da Redenção

Releitura existencial da Bíblia Hebraica via existencialismo judaico + tradição judaica e pesquisa bíblica acadêmica. Doutor em Filosofia Valdenor Brito Jr.