[7] Sodoma e Gomorra: até hoje você entendeu errado — mais sobre graça do que punição
No primeiro livro da Bíblia, o Gênesis, temos a famosa lenda da destruição de Sodoma e Gomorra. Como Deus destruiu essas cidades por meio de fogo que desceu do céu, mas poupou Ló e sua família, parentes de Abraão (personagem de quem descenderão os judeus). Nem todos: a esposa de Ló olhou para trás, durante a fuga, e virou uma estátua de sal.
Essa história é famosa, por conta de seus detalhes épicos e narrativos, o ‘storytelling’. Até a transformação em estátua de sal contribuiu para prender a memória. Mas geralmente as pessoas enfatizam essa história como uma sobre punição e essa história figura proeminente na caricatura da Bíblia Hebraica ‘vejam como o Deus do ‘Velho’ Testamento é impiedoso e rígido’.
Entretanto, essa narrativa é no mínimo tanto sobre graça e misericórdia como sobre punição, e talvez até mais. A história começa antes, com Deus dizendo a Abraão “Porquanto o clamor de Sodoma e Gomorra se tem multiplicado, e porquanto o seu pecado se tem agravado muito, Descerei agora, e verei se com efeito têm praticado segundo o seu clamor, que é vindo até mim; e se não, sabê-lo-ei.” (Gênesis 18:20,21)
Esse trecho enfatiza que o pecado de Sodoma não começou agora ou ontem, já se estendia por no mínimo mais de 1 século (sabemos disso com base em trechos similares envolvendo a ideia de ‘o clamor subiu até os céus’).
Isso é um lugar-comum na Bíblia hebraica: Deus DEMORA a punir, ‘Ele é tardio em irar-se’. E esse demorar pode ser SÉCULOS quando se trata de um povo. Os grandes eventos punitivos foram assim, como o dilúvio de Noé ou o exílio na Babilônia. (Deus demora, mas quando pune, a punição realmente é intensa, no acúmulo… daí adveio a má fama)
E quais os pecados de Sodoma? Ao contrário de uma disseminada visão de que fosse a homossexualidade (mais pra frente nessa série voltaremos a esse tema), os pecados de Sodoma eram pecados públicos bem graves, de violência e crueldade. O profeta Ezequiel, com paralelismo a essa história, resume bem:
“Ao povo da terra oprimem gravemente, e andam roubando, e fazendo violência ao pobre e necessitado, e ao estrangeiro oprimem sem razão.” (Ezequiel 22:29)
Na própria história é sugerido que os habitantes de Sodoma desejavam maltratar, e possivelmente estuprar, os estrangeiros que visitaram Ló (na verdade anjos), sem nenhuma lei na cidade que os impedisse. (Gênesis 19:5)
Apesar de tudo isso, Abraão responde a Deus: “Destruirás também o justo com o ímpio? Se porventura houver cinqüenta justos na cidade, destruirás também, e não pouparás o lugar por causa dos cinqüenta justos que estão dentro dela? Longe de ti que faças tal coisa, que mates o justo com o ímpio; que o justo seja como o ímpio, longe de ti. Não faria justiça o Juiz de toda a terra? (Gênesis 18:23–25)
Abraão questiona Deus, exige dele coerência e pede misericórdia pela cidade apesar de tudo. E Deus não pune Abraão por questionar. Deus responde: “Se eu em Sodoma achar cinqüenta justos dentro da cidade, pouparei a todo o lugar por amor deles.” (Gênesis 18:26)
A conversa prossegue com Abraão tentando convencer Deus a não destruir a cidade. E se tiverem 45? 40? 30? 20? 10? Deus conclui: “Não a destruirei por amor dos dez.” (Gênesis 18:32)
Ou seja, a cidade merece punição. Opressão contra estrangeiros, roubo, violência aos necessitados e pobres que viviam ao redor. Abraão poderia ter pensado: ‘Destrói logo mesmo!’ Mas, ao contrário, tentou achar motivo para Deus não destruir a cidade. E Deus disse que se tivesse SÓ 10 justos pouparia o local inteiro!
Essa figura é a de um Deus que demora a punir e que, já tendo adiado muito a punição merecida, ainda tenta encontrar motivos para não punir. Contudo, nem sempre os encontra: “E busquei dentre eles um homem que estivesse tapando o muro, e estivesse na brecha perante mim por esta terra, para que eu não a destruísse; porém a ninguém achei.” (Ezequiel 22:30)
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