[8] Impedindo o castigo de Deus, em favor dos homens
Nos últimos posts da série vimos que dois dos maiores personagens bíblicos (Moisés e Abraão) se puseram em duas ocasiões questionando Deus em favor dos homens. Em ambos os casos tratava-se de Deus querer punir uma comunidade, e um homem justo argumentar em favor da não punição, antes que a punição acontecesse.
Mas e se a punição já estivesse em curso? Será que nesse caso a postura seria simplesmente justificar Deus e seu castigo?
Mais uma vez Moisés mostra uma postura surpreendente. Em uma história relatada no Livro de Números 16, ocorre uma rebelião de alguns membros do povo hebreu contra Moisés e o sacerdócio.
Deus de início pretende castigar o povo, mas Moisés e Arão (o Sumo-Sacerdote) pedem que Ele não faça isso: “Ó Deus, Deus dos espíritos de toda a carne, pecará um só homem, e indignar-te-ás tu contra toda esta congregação?” (Números 16:22) E Deus desiste do castigo comunitário. A rebelião é resolvida de forma individualizada.
Mas no dia seguinte o povo se volta contra Moisés e o sacerdócio novamente (já tendo várias vezes feito isso, a primeira sendo a do bezerro de ouro que já discuti nesta série). A paciência acaba: Deus começa a punição sem avisar mais com antecedência.
Aparentemente Deus agora não tem ouvidos para argumentos, afinal, Ele já havia deixado entrar uma praga no meio do povo. O que fazer?
“E disse Moisés a Arão: Toma o teu incensário, e põe nele fogo do altar, e deita incenso sobre ele, e vai depressa à congregação, e faze expiação por eles; porque grande indignação saiu de diante do Senhor; já começou a praga.
E tomou-o Arão, como Moisés tinha falado, e correu ao meio da congregação; e eis que já a praga havia começado entre o povo; e deitou incenso nele, e fez expiação pelo povo.
E estava em pé entre os mortos e os vivos; e cessou a praga.” (Números 16:46–48)
Ou seja, Moisés instruiu o Sumo-Sacerdote Arão a IMPEDIR DEUS de continuar. Eles não pediram a permissão de Deus para isso. Eles simplesmente pegaram os objetos sagrados, e os usaram para afastar o castigo de Deus do meio do povo, anulando a consequência de sua rebelião. E isso em favor do povo que havia se voltado contra ambos, Moisés e Arão, ainda assim eles fizeram o possível para abreviar essa situação.
Essa história também ilustra que o sistema do sacerdócio e do santuário protegia Israel mesmo contra Deus — novamente o tema da graça divina. Na medida em que o povo eleito recebe mais obrigações e responsabilidades, ele também recebe mais meios de ser perdoado e de ter suas faltas reparadas — este é o significado do santuário, e, hoje, quando não há mais o Templo, da festividade judaica do Yom Kippur, o Dia do Perdão.
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