[76] Homossexualidade e Bíblia Hebraica 23- Poesia Homoerótica Medieval por Rabinos de Renome!

A Estrela da Redenção
5 min readDec 1, 2020

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Durante a idade média, rabinos de renome escreviam poesia homoerótica. Na Espanha. Espanha ISLÂMICA.

Sim, é isso mesmo que você leu. Provavelmente cada parte dessa frase vai soar bizarra para quem acha mesmo que a Bíblia Hebraica e o judaísmo tem uma condenação absoluta à homossexualidade (algo que já mostrei que não é verdade), mas também para aqueles que acham o mesmo sobre o Corão e o Islã.

Bem, uma coisa que pouca gente sabe é que o Islã, historicamente, foi MUITO MAIS TOLERANTE à homossexualidade do que o cristianismo. As sociedades islâmicas pré-modernas mantiveram uma relativa tolerância ao fenômeno homoerótico, em continuidade parcial ao costume helenista prévio. Os judeus sefarditas, que viviam nessas mesmas terras, também apresentavam relativa tolerância a algumas dessas práticas, como exposto nesse estudo sobre a questão homoerótica entre os judeus no Império Turco-Otomano (veja também uma menção a isso nesse texto do mesmo autor).

“Xá Abbas I com um Pajém”, 1627, Império Persa. Ilustração mostrando o Xá Abbas I (1571–1629) da Pérsia Islâmica com seu pajém juvenil servindo vinho para ele. Acompanhada do poema “Possa a vida garantir a tudo que você deseja dos três lábios, aquele de seu amante, do rio e do copo”.

Meu objetivo aqui não será explicar isso. É simplesmente UM FATO BEM ATESTADO. Mas um dos prováveis motivos é a maior continuidade entre Islã e judaísmo nesse ponto.

O Islã também se pauta numa jurisprudência (a Lei Islâmica, ou Sharia) e executar alguém à morte pela Sharia era muito difícil, tal como na Halacha judaica. Os soberanos islâmicos que condenavam pessoas à morte o faziam por outro sistema, que NÃO era a Sharia. A Sharia também conteria uma hipotética previsão de pena de morte para o sexo anal entre homens (a depender da escola de jurisprudência islâmica consultada), mas, tal como no caso da Halacha judaica, isso não era aplicado na prática.

A criminalização da homossexualidade em países islâmicos modernos, ironicamente, é herança de leis estabelecidas pelas administrações coloniais britânicas e francesas que governaram essas regiões quando do imperialismo europeu no século XIX… Ou seja, uma exportação de culturas cristãs!

Também é importante destacar que os islâmicos sempre permitiram que comunidades de algumas outras religiões (as “não-idólatras”) vivessem e se organizassem autonomamente em seus domínios, sob o status de Dhimmi. Referida possibilidade era estendida desde o início a judeus, cristãos e zoroastristas, e depois foi estendida também para hindus e budistas.

Os judeus que habitaram historicamente em regiões islâmicas são chamados de judeus sefarditas (norte da áfrica e península ibérica, posteriormente também oriente médio com a diáspora sefardita) e judeus mizhrai (oriente médio). Focaremos aqui nos judeus sefarditas.

Durante a dominação islâmica da península ibérica (onde hoje em dia temos Portugal e Espanha), ocorreu a Era de Ouro dos Judeus Sefarditas. Sob a governança islâmica, os judeus sefarditas floresceram, participando ativa e integralmente da vida pública, em pleno contato com não-judeus.

Uma situação muito diferente da dos judeus askhenazitas (europa cristã) que tinham um status totalmente subordinado aos cristãos e ainda sofriam perseguições destes periodicamente.

É durante essa Era de Ouro dos Judeus Sefarditas que vemos florescer a poesia hispano-hebraica (para um site de referência, veja aqui). Os poetas judeus e os poetas islâmicos competiam entre si na sua produção poética. Para os islâmicos, a melhor poesia era em árabe. Diante disso, os judeus buscaram mostrar que a melhor poesia seria feita em hebraico.

Dentre a poesia produzida nesse período, tanto por islâmicos como por judeus, um dos gêneros mais proeminentes foi a POESIA HOMOERÓTICA, geralmente dirigida para um amante juvenil (adolescente).

Enquanto não necessariamente tais poesias reflitam experiências reais, e alguns defendam que tal poesia fosse meramente convencional e simples exercício literário, tudo indica que houvesse uma relação entre as experiências dos poetas e os temas de sua poesia (à parte do aspecto mais estilístico).

É incorreto afirmar que os judeus sefarditas meramente imitassem os islâmicos nisso sem que o fenômeno homoerótico fosse real também em suas comunidades judaicas, como fica claro quando vemos que os judeus sefarditas não seguiam todos os aspectos da produção islâmica (como seria o caso se seu ponto fosse meramente ‘imita-los’ num exercício literário sem conexão com a realidade).

E um ponto muito curioso da poesia homoerótica judaica sefardita de Al-Andaluz (o Reino Islâmico da península ibérica) é que ela era produzida por rabinos, incluindo rabinos cuja alta renome até hoje é celebrada.

Destaque-se aqui R. Judá Halevi, um dos maiores pensadores judaicos de todos os tempos e autor do “Kuzari” (uma das maiores obras de filosofia judaica medieval, que é rivalizada apenas pelo “Guia dos Perplexos” de Rambam/Maimônides), e R. Moses ibn Ezra, outro filósofo judaico medieval e autor de cânticos sagrados que até hoje fazem parte do Mahzor tradicional (livro de rezas para Rosh Hashaná e Iom Kipur). Não foram apenas eles dois (outros nomes foram Ibn Gabirol, Semuel ibn Nagrella, al-Harizi, etc.), mas esses dois são figuras RENOMADÍSSIMAS no meio judaico TRADICIONAL.

Dois trechos desses poemas, em espanhol abaixo (seguida da minha tradução livre pro português):

“Se sintió atraído y fuimos a casa de su madre.
Allí inclinó su espalda a mi pesado yugo.
Noche y día a solas estuve con él.
Le quité sus ropas y él me quitó las mías.
Yo sorbía de sus labios y él me amamantaba.” (Moses ibn Ezra)

“Ele se sentiu atraído e fomos para a casa de sua mãe.
Lá curvou as costas para meu pesado jugo.
Noite e dia a sós estive com ele.
Tirei suas roupas e ele, as minhas.
Eu chupei seus lábios e ele, os meus.”

“Ese día mientras le tuve en mis rodillas
él se veía allí en mis ojos y trató
de engañarme. Los besó muy suavemente-
besándose a sí mismo, no a mí…” (Judá Halevi)

“Nesse dia enquanto o tinha em meus joelhos
ele olhou nos meus olhos e tentou…
me enganar. Ele os beijou bem suavemente —
beijando a si mesmo, não a mim…”

Apenas um pequeno gostinho da poesia homoerótica judaica sefardita medieval por rabinos de renome!

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Written by A Estrela da Redenção

Releitura existencial da Bíblia Hebraica via existencialismo judaico + tradição judaica e pesquisa bíblica acadêmica. Doutor em Filosofia Valdenor Brito Jr.

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