[86] Homossexualidade e Bíblia Hebraica 33- Judaísmo Conservador e Casamento Homossexual Judaico
Como vimos no post anterior a Responsa “Homosexuality, Human Dignity & Halakhah: a Combined Responsum for the Committee on Jewish Law and Standards” dos Rabinos Elliot N. Dorff, Daniel S. Nevins e Avram I. Reisner, aprovada pelo Comitê de Leis e Padrões Judaicos em 2006, possibilitou uma mudança na Halacha dentro do judaísmo conservador/masorti.
Na Halacha conservadora é possível, então, considerar que as proibições rabínicas ao homoerotismo masculino não-penetrativo e a todo homoerotismo lésbico foram derrubadas, em razão de que tais proibições estavam impondo uma indignidade e humilhação às pessoas homossexuais (cuja orientação sexual hoje sabemos ser fixada na tenra infância) que desejam praticar uma vida observante judaica. Isso é demonstrado inclusive com vasta evidência científica, que muda as questões de fato que levaram os rabinos do passado a estabelecerem tais proibições.
Apenas o sexo anal entre homens ainda restaria proibido, por se tratar de uma proibição bíblica que não pode ser derrubada via o princípio da dignidade humana, mas exigiria a emissão de um decreto rabínico para tanto.
Dentro da Responsa, já havia se levantado a possibilidade de fazer cerimônias religiosas em que fosse celebrado o casamento para pessoas do mesmo sexo, mas isso não havia ficado totalmente definido ainda em termos da Halacha do movimento conservador.
Em 2012 essa lacuna foi suprida, por meio do apêndice “Rituals and Documents of Marriage and Divorce for Same-Sex Couples”, pelos mesmos rabinos. Aqui a ideia foi prover exemplos de cerimônias e documentos de comprometimento e divórcio de relacionamentos do mesmo sexo que se ajustassem aos critérios da Responsa de 2006.
O paper esclarece que o casamento religioso tradicional é o chamado ‘kiddushin’. Na visão dos rabinos, sua liturgia pressupõe a diversidade dos sexos, não sendo gênero-neutra. Desse modo, ele não pode ser estendido para os casais homoafetivos. (Para ver os motivos completos para essa não-extensão, veja p. 4–5)
Entretanto, isso não impede a adoção de outras cerimônias que consagrem a união comprometida entre pessoas do mesmo sexo. Essas uniões serão distintas do matrimônio judaico tradicional, entretanto, devem ser celebradas no mesmo espírito de santidade e alegria que este último.
Um esclarecimento importante: tais uniões homoafetivas são CASAMENTO. Mesmo enquanto o mecanismo de Halacha usado para unir o casal seja distinto do modelo tradicional do kiddushin, o resultado ainda será um casamento judaico.
Considerando o debate feito na comunidade e também as vozes dos próprios judeus/judias homossexuais do movimento, este paper apresenta dois modelos de cerimônia: um que se parece muito com o modelo tradicional para o casamento heterossexual, e outro que é criado a partir do zero.
Ambos satisfazem os seguintes critérios:
- São dadas as boas-vindas para o novo casal e as bênçãos de Deus são requeridas para esse casamento;
- Símbolos tradicionais de celebração— como vinho — e de comprometimento — como anéis — são usados para adicionar significância a esse momento;
- Um documento de ‘pacto’ (aliança) comprometendo o casal a uma vida de fidelidade e responsabilidade mútuas é lido e testemunhado. Esse pacto é afirmado na cerimônia dos anéis e constitui o mecanismo de Halacha para vincular o casal junto como uma família.
- Bênçãos agradecendo a Deus por esse sagrado momento de aliança amorosa são recitados, e o relacionamento do casal é ligado à narrativa mais ampla do povo judeu e sua redenção.
Assim, os dois formatos de cerimônia enfatizam valores tais como fidelidade, compaixão e responsabilidade financeira tal como a cerimônia de kiddushin desenvolvida na Tradição Judaica para casais heterossexuais.
O documento de casamento se chama “Pacto [Brit] dos Parceiros Amorosos/Parceiras Amorosas” (ברית אהובים\אהובות), um modelo originalmente pensado por Rachel Adler em seu livro “Engendering Judaism: An Inclusive Theology and Ethics” (1998).
Um pacto é um acordo para criar um relacionamento duradouro em que cada parte traz certos ativos e aceita responsabilidades específicas uma em relação à outra. Esse pacto estabelece uma aceitação mútua de fidelidade sexual e de responsabilidade financeira pelo bem-estar do parceiro. Nas cerimônias cada membro do casal realiza um ‘kinyan’ (aquisição) não da outra pessoa, mas da parceria estabelecida entre elas como estipulada no Pacto.
Da mesma forma, foram criados documentos para a dissolução formal (hafarah) desses casamentos fundados no Pacto de Parceiros Amorosos, e para um acordo antenupcial que elimina impedimentos halachicos ao divórcio caso o casamento falhe e o casal seja incapaz de realizar a cerimônia de dissolução formal do vínculo. (A Lei Judaica prevê tais coisas para seu casamento tradicional heterossexual)
O primeiro formato de cerimônia é a “Chupá” com Sete Bênçãos, que se aproxima muito da cerimônia de Kiddushin mas tendo seu fundamental legal no Brit (Pacto). Por isso são usadas as Sete Bençãos tradicionais e todo o imaginário que envolve a cerimônia tradicional, com a ‘canópia nupcial’.
O segundo formato de cerimônia é o “Talit” com Três Bênçãos. A diferença é que, ao invés da canópia nupcial, o casal vem enrolado num Talit juntos e são recitadas Três Bênçãos, ao invés das tradicionais Sete.
Com essa decisão de 2012, o judaísmo conservador/masorti endossou plenamente a possibilidade do casamento homossexual judaico, fundada nos moldes da Halacha conservadora.
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