[178] Mesmo o Nível Fundamental da Realidade sendo apenas físico, Deus é o Fundamento do Ser

A Estrela da Redenção
14 min readDec 16, 2021

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Ou: o que é exatamente que depende ontologicamente do Ser Concreto Necessariamente Existente no argumento cosmológico da contingência?

Esse post é uma sequência para os textos “[108] Redescobrindo Deus — mesmo numa visão naturalista de mundo” e “[177] Mesmo se a origem sem causa do Universo foi necessária, Deus ainda seria o Fundamento do Ser”, cuja leitura antes de entrar no presente texto é extremamente recomendada, pois é ali que você entenderá o contexto, bem como vários detalhes técnicos.

Novamente faremos uma jornada até as fronteiras do intelecto humano, por isso é melhor estar adequadamente preparado para apreciar o raciocínio aqui.

No post [177] havia dado um recado importante sobre como o argumento cosmológico da contingência diz respeito a uma dependência ontológica de caráter constante ou constitutivo, na qual a totalidade dos fatos contingentes depende do Ser Concreto Necessariamente Existente dessa forma.

Sondando as reações ao texto, percebi que os entusiastas online de filosofia analítica da religião começaram a entender o recado, prestando atenção ao fato de que a questão sobre uma origem natural necessária para o universo (enquanto muitíssimo interessante em si mesma) não ocupa o mesmo papel explanatório do Ser Concreto Necessariamente Existente postulado pelo argumento cosmológico da contingência. O motivo é que a origem necessária é uma questão de dependência histórica, enquanto o Ser Concreto Necessariamente Existente é uma questão de dependência constante. Ou seja, o Ser Concreto Necessariamente Existente existe em todos os tempos nos quais o universo (ou quaisquer fatos contingentes) existam, enquanto uma origem natural necessária para o universo por definição não existe mais, e sim foi algo que existiu.

Contudo, observei ainda certa margem de incompreensão, uma vez que alguns desses entusiastas tentaram atribuir a alguma entidade física constitutiva do Universo o mesmo papel explanatório do Ser Concreto Necessariamente Existente (assim identificando-os), sem perceber que: 1) tal atribuição se assenta numa confusão a respeito de qual seria a dependência ontológica constante aqui envolvida; 2) mesmo dissipada essa confusão, a atribuição em questão não pode ser feita de forma trivial nem fácil.

O objetivo do presente post será esclarecer esse ponto — e mesmo desenhá-lo, para tentar não deixar mais margem para dúvidas desse calibre.

Indo direto ao ponto: o argumento cosmológico da contingência não postula um Ser Concreto Necessariamente Existente para dar conta de fornecer os elementos constitutivos fundamentais do Universo (ou Multiverso). Quem faz isso é toda uma outra área da metafísica analítica dentro da filosofia, bem como a física teórica dentro das ciências, sendo que essa metafísica do Nível Fundamental da Realidade dialoga muito com a física teórica.

Ou seja: tanto o argumento cosmológico da contingência na filosofia analítica da religião quanto a metafísica analítica/física teórica que investigam o Nível Fundamental da Realidade lidam com dependência ontológica constante, mas diferem em relação ao que se está entendendo como a ‘entidade dependente’ (e, por extensão, muito provavelmente diferem em qual relação ontológica subjacente gera a dependência ontológica em questão). Então, estamos diante de dois chains (encadeamentos) diferentes de dependência ontológica, mesmo enquanto interrelacionados, como já iremos ver.

Vamos começar primeiro pelo lado da metafísica analítica e da física teórica sobre o Nível Fundamental da Realidade, para só depois voltarmos ao argumento cosmológico da contingência para dissipar de uma vez por todas essa confusão recorrente.

(Lembrando que aqui farei OPÇÕES em termos das coisas serem do jeito X ou Y para fins de ilustração. Você talvez possa discordar de alguns exemplos e ilustrações que eu fizer, mas isso NÃO DEVERIA ser um impeditivo para você entender o que eu estou tentando explicar por meio dessas exemplificações.)

A questão do Nível Fundamental da Realidade diz respeito aos elementos constitutivos dos objetos materiais (incluindo aqui aqueles objetos materiais que também são pessoas ou organismos ou mentes etc.) que observamos na nossa experiência de mundo macroscópica. (Recomendo aqui consultar “Introduction to Metametaphysics”, 2016, por Tuomas Takho, para as pressuposições envolvidas nesse tipo de discussão)

Como se vê, tal questão não diz respeito a como os objetos materiais são causados, mas sim do que eles são feitos. Por exemplo, a água é um composto químico formado por moléculas de H2O, que, por sua vez, é formada pelos átomos de hidrogênio e oxigênio, e assim por diante. Portanto, estamos diante de considerações de dependência ontológica constante ou constitutiva (como já definido no post [177]).

Nesse sentido, a molécula de H2O depende, para sua existência, dos átomos de hidrogênio e de oxigênio, em todo o tempo no qual a molécula exista. Então, em cada instante temporal ‘t’, é necessário que, se H2O existe em ‘t’, os átomos de hidrogênio e de oxigênio existam. Isso pode ser entendido genérica ou especificamente: 1) genérico: necessariamente, se alguma molécula H2O existe, então existem átomos de hidrogênio e de oxigênio; 2) específico: necessariamente, se essa molécula H2O específica existe, então existem esses átomos específicos de hidrogênio e de oxigênio.

Quando se faz uma ordenação generalizante de todas as cadeias de dependência ontológica nesse sentido, é comum que se use a ideia de ‘níveis da realidade’. Existem filósofos que questionam a utilidade de usar essa metáfora na medida em que ela pode parecer separar muito estritamente os níveis, mas de qualquer forma o uso da metáfora dos níveis é disseminada na metafísica analítica e fornecerá uma ilustração útil para nossos propósitos aqui.

Então, a ideia é que a realidade é ‘layered’, ordenada em níveis, geralmente entendidos da seguinte forma: o 1º nível da realidade é o físico, do qual se origina o nível químico, que por sua vez origina o nível biológico, que por sua vez origina o nível psicológico ou mental, e assim por diante.

Nesse sentido, o nível mental depende do nível biológico, o nível biológico depende do nível químico, o nível químico depende do nível físico, e o nível físico não depende de nada. Dentro de cada nível, também existem relações de dependência (p. ex. o nível físico macroscópico depende do nível físico microscópico). Dentro dessa metáfora, os níveis mais dependentes estão ‘acima’ (ascendentes), enquanto os níveis menos dependentes estão ‘abaixo’ (descendentes). P. ex. o nível mental, que dependeria dos níveis biológico, químico e físico, está ‘mais acima’ do que o nível químico, que depende apenas do nível físico, este último sendo o que está ‘mais embaixo’.

Vamos usar o exemplo de um corpo humano para facilitar o entendimento aqui. O corpo humano completo (biológico) depende das suas células (biológico). As células (biológico), por sua vez, dependem das moléculas (químico). As moléculas (químico), por sua vez, dependem dos átomos (físico). Os átomos (físico), por sua vez, dependem das partículas subatômicas (físico). E, para fins ilustrativos, iremos parar aqui: as partículas subatômicas não dependem de nada, sendo elas então o Nível Fundamental da Realidade, do qual todo o resto depende necessariamente.

Candidatos a serem esse Nível Fundamental da Realidade podem variar. Vão desde as partículas subatômicas a formulações envolvendo campos quânticos, teoria das cordas, espaço de Hilbert, etc. Utilizei aqui a ideia de que as partículas subatômicas são o Nível Fundamental da Realidade, mas o leitor pode substituir por qualquer que seja o exemplo que pessoalmente favoreça.

Além disso, dentro de uma formulação fisicalista (com a qual eu concordo), tudo que existe no mundo é, em um sentido fundamental, físico ou fisicamente realizado, assim, sendo APENAS físico ou dependendo APENAS do físico em última instância (ou seja, ao final das cadeias de dependência ontológica, toda e qualquer entidade sempre desembocaria em alguma entidade física).

Nesse sentido, se pensarmos no clássico problema mente-corpo, para um fisicalismo não-reducionista podemos dizer que a categoria (type) de um estado mental não é definida fisicamente (nesse sentido, sendo não-físico), mas sua instanciação concreta (token) necessariamente é física (nesse sentido, sendo físico). Então tudo que não é físico ao nível de type necessariamente será físico ao nível de token. (Existem outras formulações de fisicalismo, mas não as irei mencionar aqui, por não ser este o foco desse texto e essa já bastar para entender o que está em jogo ao ser um fisicalista sobre a realidade concreta)

Mas outra questão interessante nesse campo, independente se você for fisicalista ou não a respeito do Nível Fundamental da Realidade, é se realmente há um Nível Fundamental da Realidade. Talvez haja cadeias infinitas de dependência ontológica, onde das partículas subatômicas chegamos em X, e de X em Y, e de Y em Z, e assim infinitamente. Então, não haveria um Nível Fundamental da Realidade.

Nesse caso, uma formulação fisicalista diferente poderia ser tentada: ao invés de ser que o Nível Fundamental da Realidade é físico, a ideia seria que, a partir de certo nível descendente dentro da cadeia de dependência ontológica, todos os níveis em diante serão físicos, então a realidade concreta no final das contas seria apenas física.

Em que pese as questões pertinentes à ausência de um Nível Fundamental da Realidade serem muito interessantes, com o propósito de facilitar a discussão aqui, irei me focar na ideia de que a realidade concreta tem um Nível Fundamental e que esse Nível Fundamental é APENAS FÍSICO.

Agora, se a realidade concreta tem um Nível Fundamental, e esse Nível Fundamental é APENAS FÍSICO, isso já não provaria que o argumento cosmológico da contingência está errado? NÃO! A confusão reside justamente em achar uma coisa dessas.

A ideia do argumento cosmológico da contingência não é acrescentar mais um nível ‘descendente’ nessa cadeia dos níveis da realidade, uma espécie de ‘nível divino’ que viria depois do nível das partículas subatômicas (ou dos campos quânticos, etc.). Repetindo: o argumento cosmológico da contingência NÃO TEM A VER com acrescer um nível constitutivo mais fundamental para a realidade observada de objetos materiais e energia (isto é, o universo ou multiverso).

O que o argumento cosmológico da contingência faz é algo muito radical: postular uma explicação suficiente, dada por algum tipo de fundação metafísica (causal ou não-causal a depender da formulação), para a TOTALIDADE DOS FATOS CONTINGENTES. Isso não é algo que concorre com o que a metafísica analítica e a física teórica a respeito do Nível Fundamental da Realidade faz, mas que opera transversalmente a TODOS OS NÍVEIS DA REALIDADE.

Ok, entendo que isso pode ser um pouco difícil de entender, mas vamos tentar oferecer uma visualização disso para o leitor. Imagine um Quadrado.

Literalmente desenhando um quadrado para meus leitores.

Agora imagine que esse Quadrado seja o ‘Livro do Mundo’: nele estão todas as cadeias de dependência ontológica que ocorrem em todos os tempos e lugares do universo (ou multiverso). Na parte de cima do quadrado, estão escritas as entidades dos níveis mais ascendentes, por exemplo, o mental. No meio do quadrado, teremos as entidades mais intermediárias, por exemplo, em um nível biológico e químico. Lá na parte de baixo do quadrado, teremos as entidades dos níveis mais descendentes, quais sejam, os níveis estritamente físicos. No extremo fim da parte de baixo, teremos o tão aguardado NÍVEL FUNDAMENTAL: aqui estarão escritas apenas as entidades fundamentais, que não dependem de nenhuma outra, sejam partículas subatômicas, campos quânticos, etc.

Aqueles entusiastas online de filosofia analítica da religião pensam que, ao chegarmos aqui, já teríamos vencido o argumento cosmológico da contingência. Ora, tudo no universo depende dessas entidades mais fundamentais, e se acrescentarmos algumas premissas — digamos, que essas entidades mais fundamentais existem de forma eterna ou em todo o tempo no qual o universo exista —talvez até pudéssemos dizer que elas ocupam o mesmo papel explanatório do Ser Concreto Necessariamente Existente do argumento cosmológico da contingência. O problema é que na verdade O JOGO NEM COMEÇOU. O argumento cosmológico da contingência sequer começou quando chegamos à extremidade inferior do Quadrado.

O erro daqueles entusiastas é pensar que o argumento cosmológico da contingência propõe escrever no Nível Fundamental, a parte mais abaixo do Quadrado do Mundo, uma rubrica com o nome “Ser Concreto Necessariamente Existente” (ou mesmo “Deus”), e que esse sim seria o nível mais fundamental da realidade, ao invés do nível físico. Por isso eles pensaram erroneamente que poderiam responder ao argumento cosmológico da contingência por afirmar que, mesmo se precisássemos dessa rubrica unitária ali embaixo, poderíamos substituir o “Ser Concreto Necessariamente Existente” por um campo quântico ou pelo espaço de Hilbert etc. de tal modo que o Nível Fundamental da Realidade continuaria a ser físico.

Bem, a questão é que, como venho repetindo, NÃO É ESSA A PROPOSTA do argumento cosmológico da contingência. O argumento cosmológico da contingência na verdade é TRANSVERSAL em relação aos Níveis da Realidade.

Na visualização proposta, é como se uma seta viesse de fora do plano do Quadrado (ou seja, fora do 2D, acrescentando uma 3ª dimensão à nossa visualização) e o atravessasse perpendicularmente, se relacionando de forma igual com todos os pontos do Quadrado.

Desenhando o Quadrado do Mundo sendo atravessado por uma Seta.

Essa seta perpendicular ao Quadrado relaciona o Ser Concreto Necessariamente Existente com a Totalidade do Quadrado (ou seja, a Totalidade de suas entidades e dos fatos que dizem respeito a elas em termos contingentes, o que pode ser representado formalmente de diferentes maneiras). Ou seja, desse ponto de vista, o Ser Concreto Necessariamente Existente não está ‘na parte de baixo’ do Quadrado, mas sim se relaciona com o Quadrado em sua INTEIREZA de cima abaixo simultaneamente.

Pense por exemplo num fato que esteja mais acima no Quadrado, tal como “Daniel pensa em comprar um lanche (em 15/12/2021)”, e um fato mais abaixo no Quadrado, tal como “o valor do spin de um elétron específico (há 2 bilhões de anos atrás)”. Esses 2 fatos, por mais díspares que sejam em termos de tempo, espaço e nível ontológico, fazem igualmente parte da totalidade dos fatos contingentes. Por conta disso, esses 2 fatos contingentes têm a MESMÍSSIMA relação ontológica com o Ser Concreto Necessariamente Existente. Ambos dependem igualmente do Ser Concreto Necessariamente Existente na medida em que a totalidade da qual esses 2 fatos fazem parte depende do Ser Concreto Necessariamente Existente.

Caso estivéssemos falando de um Nível Fundamental da Realidade, isso seria completamente impossível. Por exemplo, se os elétrons fizerem parte do Nível Fundamental da Realidade, a distância ontológica entre esses elétrons e, digamos, o corpo humano, a molécula de água e um átomo de hidrogênio não tem como ser a mesma. Dentro das cadeias de dependência ontológica dos Níveis da Realidade, o corpo humano está mais distante ontologicamente do elétron do que a molécula de água está, pois há menos entidades intermediárias entre a molécula de água e o elétron do que há entre o corpo humano e o elétron.

Portanto, a cadeia de dependência ontológica que liga o Ser Concreto Necessariamente Existente à totalidade dos fatos contingentes é TRANSVERSAL em relação às cadeias de dependência ontológica que conectam as diferentes entidades do mundo em termos de Níveis de Realidade.

“Blaze” [Chama], Bridget Riley, 1964.

Nada muda aqui se supusermos que a realidade não tem um Nível Fundamental. Nesse caso, imaginaríamos que o Quadrado se estenderia infinitamente pra baixo (bem, na verdade agora seria um Retângulo provavelmente, mas acho que deu pra entender). Isso em nada impacta a questão do Ser Concreto Necessariamente Existente, porque esse Ser se relaciona ontologicamente com o Todo do Quadrado, mesmo que se trate de uma totalidade infinita. Portanto, o Ser Concreto Necessariamente Existente é compatível inclusive com a negação de um Nível Fundamental para a Realidade.

Então, as propostas de física teórica ou de metafísica analítica que elaboram como o Universo seria constituído por elementos e/ou processos puramente físicos (seja via campos quânticos, partículas subatômicas, etc.) NÃO COMPETEM com o Ser Concreto Necessariamente Existente.

Isso é verdade mesmo se você tentar ir por uma ideia de ‘mas e se eu disser que tais partículas ou campos são necessariamente existentes?’, sem perceber o poço sem fundo em que estará se metendo ao tentar meramente sugerir algo assim como se fosse a coisa mais trivial do mundo fazê-lo.

Primeiro, porque nós não fazemos ideia do que seria entender essas entidades dessa maneira, uma vez que as entidades físicas não são necessariamente existentes em virtudes de sua natureza física. Nós teríamos de especular que uma ou algumas seriam necessariamente existentes, em contradição ao que seria a natureza das demais entidades físicas, mas muito provavelmente isso seria puramente arbitrário do ponto de vista estritamente físico. Lembrando que o fato de uma entidade ser eterna não é a mesma coisa que ter existência necessária (como articulada pelo argumento cosmológico da contingência).

Segundo, caso realmente tentássemos imaginar essas entidades físicas específicas como necessariamente existentes, não é totalmente claro porque elas seriam chamadas de ‘físicas’ ainda. A categoria de ‘físico’ provavelmente se tornaria ‘disjuntiva’ se insistíssemos nisso, não mais correspondendo a um tipo natural. E por mais que continuássemos usando a palavra ‘entidade física’ para descrever tanto as com existência necessária quanto as com existência contingente, do ponto de vista do que entendemos por ‘físico’ hoje na verdade essas entidades físicas com existência necessária seriam NÃO-FÍSICAS, o contrário do que esse proponente gostaria.

Terceiro, muito provavelmente tentar levar a sério a ideia de entidades físicas fundamentais com existência necessária forte no sentido requerido pelo argumento cosmológico da contingência levaria a entender que todas as entidades físicas (e todas aquelas dependentes das entidades físicas) tem também existência necessária, o que é confuso, como já abordado no post [177].

Quarto, a ideia de entidades físicas com existência necessária também dependeria de você escolher A DEDO várias teorias filosóficas e científicas MUITO ESPECÍFICAS em áreas diferentes, a respeito de modalidade, da semântica dos tipos naturais, das cadeias de dependência ontológica, da cosmologia, da física quântica etc. para que isso apenas ‘começasse’ a ter alguma motivação. Portanto, é muito mais controverso do que seja aceitar o Ser Concreto Necessariamente Existente como não sendo tais entidades físicas seja simplesmente rejeitar que haveria o Ser Concreto Necessariamente Existente, ambas opções admitindo praticamente (quase) todas as combinações de teorias filosóficas e científicas imagináveis.

Quinto, dentro das ciências que postulam tais entidades físicas, o papel explanatório delas (seja partículas subatômicas, campos quânticos, espaço de Hilbert, etc.) NEM DE LONGE é explicar a totalidade dos fatos contingentes, mas são introduzidas para propósitos explanatórios cuidadosamente delimitados dentro da física teórica, da cosmologia, etc. E essas entidades não se relacionam por igual com qualquer fato contingente (por isso mesmo elas estariam na parte de baixo do Quadrado, e não transversal a ele).

Sexto, por fim, se ainda tentássemos ser ‘engraçadinhos’, e quiséssemos realocar a tal suposta entidade física necessariamente existente da parte de baixo do Quadrado para ter uma relação transversal/perpendicular com o Quadrado, estaríamos diante de uma entidade supostamente física que se relaciona com todos os níveis da realidade por igual. Isso é muito suspeitamente parecido com Deus, porque a entidade física em questão se relacionaria igualmente com o spin de um elétron e com o desejo de comprar um lanche de Daniel. E bem, para mim pessoalmente não tem problema, pois chegaríamos de bandeja no panenteísmo que propus, onde Deus é, em certo sentido, físico! (Enquanto eu chegue nisso de outra maneira) Mas esse não é o resultado pretendido pelo proponente desse tipo de coisa (ou talvez ele possa chegar aqui, repensar seu ponto e acabar por endossar o panenteísmo ou o panteísmo também caso queira).

Então, deparados com o argumento cosmológico da contingência, não somos obrigados a aceitar que haja uma explicação ou fundação para a totalidade dos fatos contingentes. É razoável rejeitar isso, e assim, por tabela, rejeitar o Ser Concreto Necessariamente Existente. Mas, caso você queira aceitar essa explicação ou fundação para a totalidade dos fatos contingentes, e assim aceitar o Ser Concreto Necessariamente Existente, você tem de entender qual o papel explanatório do Ser em questão, e não confundi-lo com o dos campos quânticos, do espaço de Hilbert etc. Trata-se de um Ser que, por sua própria natureza, tem existência concreta necessária. Esse Ser pode ser também físico (como eu mesmo penso sob um ponto de vista panenteísta): nesse caso esse Ser NÃO teria existência concreta necessária em razão de ser físico, pois de ‘ser físico’ não se segue que seja ‘necessariamente existente’, mas teria existência concreta necessária em razão de sua natureza singular, sui generis em relação a tudo que observamos no mundo.

E enquanto nada nos obrigue a chamar esse Ser Concreto Necessariamente Existente de ‘Deus’, é bem claro que a Divindade Transcendente (esse Mysterium Tremendum) tal como imaginada e elaborada nas mais diversas tradições religiosas/filosóficas/místicas é basicamente a única candidata fenomenologicamente bem articulada que casa com o papel formal-lógico desempenhado pelo Ser Concreto Necessariamente Existente no argumento cosmológico da contingência.

Então, mesmo o Nível Fundamental da Realidade sendo puramente físico, Deus ainda é o Fundamento do Ser.

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Releitura existencial da Bíblia Hebraica via existencialismo judaico + tradição judaica e pesquisa bíblica acadêmica. Doutor em Filosofia Valdenor Brito Jr.