[83] Homossexualidade e Bíblia Hebraica 30- Casamento Gay Judaico ORTODOXO?
O R. Avram Mlotek escreveu em 2019 o texto cujo título “Eu Sou um Rabino Ortodoxo, e Eu Oficio Casamentos LGBTQ” pode chocar muita gente. Nele o rabino em questão expõe o porquê dele, mesmo sendo ortodoxo, ter começado a reaalizar casamentos entre pessoas do mesmo sexo.
Ele conta que uma amiga queer vinda de um background ortodoxo haredi (vulgarmente conhecidos como ‘ultra-ortodoxos’) postou em sua rede social que ela descobriu que alguns sacerdotes católicos tinham a prática de ir em bares gays usando o seu manto sacerdotal completo. Esses sacerdotes sentavam no bar, e quando pessoas queer católicas os abordavam, os sacerdotes afirmavam o amor de Deus e o pertencimento destes à Igreja.
A questão que essa amiga pôs diante disso foi premente: poderiam rabinos ortodoxos fazer o mesmo? (em que pese rabinos não terem qualquer roupa clerical que os identifiquem)
Foi essa simples questão que intrigou muito a cabeça deste rabino ortodoxo. Ele descobriu uma kipá de arco-íris num site e decidiu comprá-la. Ao sair na rua com ela, descobriu o quanto ela chamava atenção (positivamente). Essa kipá simboliza que Deus e judaísmo amam a pessoa independente de sua orientação sexual. Mas será que seria suficiente apenas vestir uma kipá simbólica?
O rabino continua dizendo que reconhece a leitura literal de Levítico em seu sentido proibitivo, e que a Lei Judaica vê o kiddushin, a cerimônia ritual de casamento, como a estrutura legal para a união entre homem e mulher. Mas, ao mesmo tempo, a Torá não quer que humanos vivam sozinhos, e apoia relacionamentos comprometidos ente parceiros que desejem construir um lar judaico.
Então, considerando todos os desafios que judeus LGBT enfrentam no mundo judaico ortodoxo, este rabino decidiu oficiar cerimônias de casamento para judeus queer. Entretanto, elas não são as cerimônias de kiddushin como aquelas aplicadas entre homem e mulher.
Ele explica que as cerimônias em questão são similares aos brit shutafim (pacto de parceria, tradicionalmente usados para parcerias comerciais) que o rabino Steven Greenberg (já conhecido por nós no post[.]) tem realizado por anos.
E de forma interessante para o ponto desta série, o R. Mlotek acrescenta que um número pequeno, MAS CRESCENTE, de rabinos ortodoxos no espectro da assim chamada Ortodoxia Moderna (que busca adaptar a vida ortodoxa para o mundo moderno) já entende que esse será o caminho do futuro.
No fundo, a questão é tanto sobre dignidade da pessoa humana, mas ainda mais sobre a dignidade da própria Torá, que enfatiza a necessidade de parcerias amorosas. Se um casal está escolhendo viver vidas judaicas, construir um lar judeu e criar filhos judeus, o rabinato tradicional precisa aproveitar a oportunidade de dar as boas-vindas e trabalhar com essas famílias nos momentos mais importantes de seu ciclo de vida. Caso contrário, o risco é alienar ainda mais essas pessoas e cair num abismo de irrelevância religiosa.
Então, como se pode observar desse texto, e de declarações similares feitas por outros rabinos ortodoxos que começaram a oficiar casamentos entre pessoas do mesmo sexo, esses rabinos ortodoxos têm chegado na conclusão de que é necessário mais do que nunca fazer um sopesamento dos valores da Torá relativos à essa questão.
Isso permite contrabalançar a proibição de Levítico e da Halacha clássica com os valores da vida e da dignidade humana que também são igualmente parte da Torá, para avaliar como melhor integrar as pessoas LGBT na comunidade judaica ortodoxa e fornecer condições para que formem famílias aptas à vida judaica ortodoxa (aos moldes da ortodoxia moderna).
E um fator de peso aqui, segundo o Rabino Daniel Landes, é que há pouca (se alguma) base no judaísmo para recomendar o celibato aos homossexuais, como a Igreja Católica faz. Afinal, a Igreja Católica vê o celibato de maneira muito positiva, enquanto o judaísmo é uma religião orientada para a família. E no próprio catolicismo as consequências negativas desse celibato forçado são visíveis.
Então, a existência de judeus, homossexuais, sim, mas observantes à maneira da Halacha ortodoxa em tudo, não pode ser negada ou jogada para baixo do tapete dentro da comunidade ortodoxa. Deve-se entender a Lei de maneira que seja possível a um judeu homossexual praticá-la, ao invés de ser um fardo impossível como os advogados do celibato homossexual a tornam.
Como resolver esse impasse? O R. Daniel Landes invoca a ideia de que uma obrigação da Halacha é suspensa quando uma força externa muito forte compele alguém a fazer algo, mesmo que essa pessoa não quisesse fazê-lo. Esse é um princípio bem sustentado na Halacha e o destino dos judeus LGBT tem várias similaridades com isso. Trata-se de uma restrição externa à escolha voluntária da pessoa, de caráter completo e permanente.
Então, a ideia não deve ser evitar completamente as leis do Levítico, mas estabelecer o grau e a maneira em que judeus LGBT seriam obrigados a segui-las. Isso vale inclusive para outras questões pertinentes da Halacha clássica, como as leis de pureza familiar no contexto dessas famílias integradas por pessoas do mesmo sexo. Dessa forma, os judeus LGBT precisam de seus próprios rabinos ortodoxos para estabelecer esses novos precedentes legais. É preciso então ordenar rabinos ortodoxos homossexuais.
Várias seriam as vantagem de rabinos gays para assessorar congregantes LGBT. Eles podem se conectar com esses congregantes de maneiras que outros não poderiam, possuindo uma experiência e linguagem compartilhadas. Um rabino gay ortodoxo também serviria como um modelo a ser seguido para jovens que se descobrem homossexuais, conclui o Rabino Langes.
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