[82] Homossexualidade e Bíblia Hebraica 29- Judaísmo Sefardita Mais Aberto à Questão LGBT

A Estrela da Redenção
4 min readDec 16, 2020

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Há alguns anos uma palestra do Rabino-Sênior Sefardita da Grã Bretanha (à época) Joseph Dweck recebeu um grande alvoroço no mundo do judaísmo ortodoxo. O R. Dweck não sugeriu nada tão radical como o R. Greenberg no post anterior, mas ainda assim sua apresentação gerou polêmica.

O que R. Dweck defendeu é que, enquanto a Torá de fato proíba o sexo anal entre 2 homens e a Tradição Rabínica na Halacha clássica traga outras proibições (menos graves) de que falei no post [80], nem Bíblia nem Tradição proíbem os sentimentos e o amor romântico homossexuais.

Então a polêmica toda surgiu por ele ter afirmado que o mundo moderno estaria lançando nova luz sobre a possibilidade do amor entre pessoas do mesmo sexo e que isso era um desenvolvimento muito positivo:

“[as mudanças nas atitudes sociais] nos forçaram a olhar em como nós lidamos com amor entre pessoas do mesmo sexo. E ele tem reduzido o tabu de meus filhos, o meu, de meus netos, de ser capaz de amar outro ser humano, do mesmo sexo, genuinamente — para apresentar afeição por alguém, para abraçar e beijar alguém, para genuinamente expressar amor sem preocupação de ser visto como desviante e problemático” (tradução livre de sua fala)

Time of Our Joy” [O Momento da Nossa Alegria], Lynn Feldman.

Por conta da polêmica, R. Dweck lançou uma nota onde se defendeu de seus detratores. Nela ele explicou várias coisas que vale a pena mencionarmos aqui:

  1. Existe uma grande diferença em termos de Halacha quanto ao ato proibido em si mesmo (o sexo anal entre homens) e os atos periféricos (outros atos homoeróticos masculinos), estes últimos chamados de abizrayhu no Talmude. O esclarecimento é que os abizrayhu não são uma proibição especificamente voltada para a homossexualidade, mas uma proibição genérica de quaisquer atos periféricos aos atos sexuais proibidos em Levítico 18. Então em termos de Lei Judaica não há nenhuma diferença legal entre um homem homossexual que transgride abizrayhu com outro homem e um homem heterossexual que transgride abizrayhu com uma mulher — é a mesmíssima proibição.
  2. a palavra ‘toevah’, geralmente traduzida como ‘abominação’, é traduzida pelo Targum Yonatan para o aramaico por intermédio de um termo que literalmente significa ‘distância’. Apesar de mesmo no aramaico esse termo ser usado como ‘abominação’, a raiz do termo mostra que o sentido tem mais a ver com rejeição do que com desgosto. Cita também Radak e Ibn Janah no sentido de que a definição dessa palavra envolve algo rejeitado/não amado, ao invés do ‘necessariamente odiado/odioso’ do uso moderno. A Torá está falando sobre como tratar a transgressão, NÃO sobre como devemos nos sentir. E isso é relevante porque o uso como ‘sentimento’ impede a empatia, o que não ocorre quando usamos o sentido original. Por fim, cita o tratado do Talmude, Nedarim 17, em apoio dessa conclusão.
  3. O relacionamento entre Davi e Jônatas não era de natureza sexual, mesmo que na palestra ele (o Rabino) tenha dito igurativamente que eles ‘se casaram’. Isso não era literal, ele esclarece, seu objetivo era dizer que eles entraram num pacto de amor bem sério (um relacionamento amoroso comprometido). Não houve comportamento homossexual entre eles, mas sim amor.
  4. Por fim, esclarece que, apesar de não achar que a revolução da homossexualidade seja estável, ele pensa que esta teve efeitos residuais benéficos sobre a sociedade na questão da expressão de amor entre homens. Isso não era uma determinação legal, mas apenas uma observação pessoal. Efeitos residuais benéficos similares a como Rambam/Maimônides falou sobre o cristianismo e o islamismo, mesmo que discordando destes.

Outro rabino sefardita, Nathan Lopes Cardoso, veio em defesa do R. Dweck. Ele enfatizou que a metodologia de fazer Halacha no mundo sefardita não é a mesma — e tem diferenças significativas — com o método usado nas yeshivot (academias rabínicas) do mundo askhenazita ortodoxo, em especial daquelas ‘ultra-ortodoxas’ ou ‘haredi’ das quais vieram a maioria dos ataques ao R. Dweck.

R. Cardoso também salientou que as determinações de Halacha feitas pelo R. Dweck concordam com as do livro “Judaism and Homosexuality: An Authentic Orthodox View” por R. Chaim Rapoport — de credenciais ortodoxas impecáveis, mesmo que não ‘ultra-ortodoxa/haredi’.

Coloquei esse posicionamento aqui porque ele reflete bem muito do que há de melhor no judaísmo sefardita tradicional. Enquanto também usando a Halacha clássica, sua metodologia não favorece a determinação mais estrita e rigorosa possível, como se quanto mais rigoroso melhor fosse. Ao contrário, a postura do R. Dweck, bem dentro da linha ortodoxa, tem a vantagem de ser mais aberta às nuances dessa questão na própria Tradição Judaica, com maior tolerância mesmo que nos limites da Halacha clássica. Até porque o próprio Talmude malmente cita essa questão, ou seja, essa questão nunca foi tão relevante assim para a Tradição.

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A Estrela da Redenção

Releitura existencial da Bíblia Hebraica via existencialismo judaico + tradição judaica e pesquisa bíblica acadêmica. Doutor em Filosofia Valdenor Brito Jr.