[122] A Localização do Jardim do Éden no Mapa-Múndi
Uma coisa que muita gente não sabe a respeito do Jardim do Éden é que o escritor do Gênesis tenta nos dar sua localização.
“E plantou o Senhor Deus um jardim no Éden, do lado oriental; e pôs ali o homem que tinha formado.
E o Senhor Deus fez brotar da terra toda a árvore agradável à vista, e boa para comida; e a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore do conhecimento do bem e do mal.
E saía um rio do Éden para regar o jardim; e dali se dividia e se tornava em quatro cabeças.
O nome do primeiro é Pisom; este é o que rodeia toda a terra de Havilá, onde há ouro.
E o ouro dessa terra é bom; ali há o bdélio, e a pedra sardônica.
E o nome do segundo rio é Giom; este é o que rodeia toda a terra de Cuxe.
E o nome do terceiro rio é Tigre; este é o que vai para o lado oriental da Assíria; e o quarto rio é o Eufrates.” (Gênesis 2:8–14)
Note que o trecho fala de um jardim NO Éden, o que pressupõe que o Éden é uma região específica no qual tal Jardim foi plantado pelo próprio Deus. E acrescenta que isso foi ao leste dentro do Éden (Rashi) ou que o Éden fica no leste (Kimhi/Radak), presumivelmente ao leste do escritor bíblico na terra de Israel. Na tradição judaica, mesmo se discutiu os tamanhos relativos do Éden e do Jardim: segundo Radak, para R. Judah o Jardim foi maior que o Éden (baseado em Ezequiel 28:13 e 31:9), enquanto para R. Yose o Éden foi maior que o Jardim (baseado em Gênesis 1:8 e Isaías 51:3, o último verso apresentado a R. Yose por R. Hanin de Sephoris).
Contudo, também é possível entender o termo hebraico para “leste” aqui de forma não-geográfica, significando algo como “na antiguidade”, dizendo respeito à antiguidade do Jardim (Onkelos; Midrash Genesis Rabbah; Ramban; Radak). Compare:
“E plantou o Senhor Deus um jardim no Éden, do lado oriental (מִקֶּ֑דֶם)” (Gênesis 2:8)
“Todavia Deus é o meu Rei desde a antiguidade (מִקֶּ֑דֶם)” (Salmos 74:12)
De forma ainda mais contundente, o narrador dá o nome de quatro rios que circundariam o Éden: Pisom (Pishon); Giom (Gichon); Tigre (Chidekel); Perat (Eufrates). E ainda dá indicações geográficas a respeito de onde esses rios estão, por exemplo, rodeando Cush ou no lado leste da Assíria, e mesmo rodeando uma terra (Havilá) onde há metais preciosos em abundância.
Portanto, o escritor do Gênesis sabia onde era o Éden, no qual as histórias de Adão e Eva num Jardim são ambientadas.
Isso não é surpresa para alguém que conhece a Bíblia Hebraica, uma vez que esta coletânea de livros é profundamente geográfica e mesmo geopolítica. O livro do Gênesis na Torá notadamente é um dos mais geográficos, uma vez que, mais tarde, a narrativa tentará explicar como todos os povos conhecidos pelos israelitas antigos circundando a terra prometida se aparentavam uns com os outros.
Por exemplo, que Egito e Cush (Etiópia) eram originalmente 2 irmãos filhos de Cam (um dos filhos de Noé), e que a Assíria era originalmente 1 dos filhos de Sem (também filho de Noé), então tecnicamente a Assíria era prima do Egito e da Etiópia. Os hebreus vieram de Éber, cujo tio-avô fora Assíria. Os israelitas (filhos de Israel/Jacó) eram irmãos de Edom (por Esaú, irmão de Jacó), sobrinhos dos ismaelitas (por Ismael, irmão de Isaque, que gerou Jacó) e primos distantes de Moab e Amon (ambos primos de Isaque, por serem filhos de Ló que era sobrinho de Abraão).
Quando o Gênesis for contar a história dos Patriarcas e Matriarcas do povo judeu, esta será marcada por várias idas e vindas numa certa geografia muito importante, a do Crescente Fértil, em relação ao qual, como veremos, o Éden estaria no mínimo próximo!
Então onde seria essa região em que o Jardim teria estado segundo essa narrativa?
Os dois últimos rios são bem conhecidos, o Tigre e o Eufrates, que banhavam a antiga Mesopotâmia (hoje em dia principalmente Iraque).
O primeiro rio é entendido por alguns comentaristas judaicos como o Rio Nilo no Egito (Rashi; Saadia), outros como o rio Ganges na Índia (Abravanel). Diz-se de tal rio que está próximo à terra de Havilá, que em Gênesis 10 é o nome de um dos filhos de Cush (em cuja terra estaria o segundo rio). Como Cush era a antiga Etiópia, isso poderia significar que Havilá fosse próxima da Etiópia e logo próxima do Egito, apoiando a conclusão de Rashi. Contudo, em Gênesis 10, outro filho de Cush, Nimrode, teria sido o fundador da Babilônia, o que talvez significasse que Havilá estivesse próximo da Mesopotâmia, mas mais para o leste, o que reforçaria a conclusão de Abravanel. Rav Yonatan ben Uziel traduzia a terra de Havilá como Hindki, um termo aramaico para a Índia.
O segundo é um rio que aparece mais vezes nas Escrituras com diferentes pronúncias (Massoretas), em 1Reis 1:33, e 1:38 e 1:45, e 2Crônicas 32:30 e 33:14. A primeira dessas referências mostra que o rio ou um de seus afluentes estivesse próximo de Jerusalém, ao sul (Ibn Ezra):
“E o rei lhes disse: Tomai convosco os servos de vosso senhor, e fazei subir a meu filho Salomão na mula que é minha; e levai-o a Giom.” (1 Reis 1:33)
Contudo, Radak entende que o rio Giom em Reis é um segundo rio Giom, pois aquele referido em Gênesis 2 desaguaria no Oceano Índico.
Em todo caso, o “ponto de referência” dado para o rio Giom é Cush, isto é, a Etiópia bíblica (que fica mais ao norte da antiga Etiópia, sendo possível cruzar da parte inferior da península arábica para Cush). Então talvez se esteja fazendo referência ao Nilo Azul que fica nas modernas Etiópia e Sudão.
O sumário de todos esses rios e, assim, da região relevante para localizar o Éden, pode ser visto no mapa abaixo:
Isso significa que o Éden estaria em algum lugar circundado por todos esses rios, sendo que um ponto mais exato muda conforme se entenda que o primeiro rio seja egípcio ou indiano. Em todo caso, designa alguma região dentro do Oriente Médio.
Em Isaías faz-se menção a um povo que habitaria na região do Éden, contudo, o Rei da Assíria Senaqueribe afirma que aquele povo fora destruído pelo Império Assírio:
“[Rei Senaqueribe falando por meio de um mensageiro:] Porventura as livraram os deuses das nações que meus pais destruíram: Gozã, e Harã, e Rezefe, e os filhos de Éden, que estavam em Telassar?” (Isaías 37:12)
O acontecimento relatado nesse trecho ocorreu quando Senaqueribe tentou invadir Judá, em 701 AEC, que é bem atestado tanto pelas fontes bíblicas quanto por fontes assírias. O que o livro de Isaías está indicando é a tal região do Éden fora conhecida e habitada por um povo específico, mas este acabou destruído pelo Império Assírio antes que o próprio Senaqueribe assumisse o trono, o que ocorreu em 705 AEC. Portanto, em algum momento antes de 705 AEC o povo do Éden fora derrotado pelos assírios e desapareceram (um destino similar às tribos do reino de Israel no Norte, conquistadas por completo em 722 AEC.
Abaixo um mapa mostrando quais as fronteiras do Império Assírio por volta dessa época:
Ibn Ezra pensava que o Jardim do Éden devesse estar localizado exatamente na linha do Equador, isto é, no ponto onde o dia e a noite contivessem sempre as mesmas horas e em igual quantidade. Enquanto isso não possa estar correto, uma vez que a linha do Equador está abaixo de toda essa região apresentada nos mapas anteriores, o ponto de Ibn Ezra tem certa lógica em termos narrativos: isso explicaria a ideia aparentemente implícita de que o Jardim do Éden não sofresse estações do ano, de modo a ficar o ano inteiro verdejante (como ocorre por exemplo na Amazônia).
Uma coisa interessante a ser dita a respeito dessa localização dada pelo livro de Gênesis é que a região do Éden era ou estava próxima do Crescente Fértil, no qual as civilizações humanas mais antigas floresceram ao longo dos rios Nilo na África e dos rios Tigre e Eufrates na Ásia. Além disso, sob a interpretação de que Pishon seria um rio indiano, também a Índia foi berço de uma civilização muito antiga.
Assim, o Éden bíblico estaria próximo ou em um dos locais de origem das primeiras grandes civilizações humanas, entre as quais o povo judeu surgiu num contexto de intensos intercâmbios culturais, uma vez que sua terra era localizada no MEIO do Crescente Fértil.
Podemos dizer que o povo judeu, agora espalhado pelo mundo, foi o grande herdeiro do processo civilizacional do Crescente Fértil, entre as civilizações mesopotâmica e egípcia, no meio das quais (e dos seus satélites menores) o antigo Israel surgiu e delas se diferenciou, persistindo ao teste do tempo mesmo sendo um povo diminuto na região!
Novamente, veja um mapa para facilitar a visualização:
Se o Éden ficava em uma região desértica dentro do Oriente Médio, isso ainda teria mais uma camada: o que antes era um grande jardim tornou-se num deserto. Por outro lado, talvez o Éden fosse um oásis circundado por deserto, o que só reforçaria seu brilho diante do contraste, tornando-o o oásis por excelência. Note que “Éden” significa literalmente “delícias” ou “alegria”, então o Jardim do Éden significa literalmente “Jardim de Delícias”.
No livro de Isaías, o Éden é associado a uma reversão, da desertificação ao reflorestamento, sendo prometido à Sião (Jerusalém) que, de um deserto, voltaria a ser um Jardim do Éden:
“Porque o Senhor consolará a Sião; consolará a todos os seus lugares assolados, e fará o seu deserto como o Éden, e a sua solidão como o jardim do Senhor; gozo e alegria se achará nela, ação de graças, e voz de melodia.” (Isaías 51:3)
Abravanel vai mais longe aqui e identifica a terra do Éden como a própria terra de Israel. Isso não parece correto, uma vez que, como vimos na questão envolvendo o rei assírio Senaqueribe, havia uma terra do Éden claramente diferente em relação à terra de Israel. A não ser que a área referente ao Éden e/ou ao Jardim fossem entendidas como maiores num passado remoto do que eram na época do profeta Isaías, de modo que originalmente mesmo a terra prometida estivesse nas suas fronteiras.
Contudo, há um sentido em que Abravanel certamente está correto: a terra de Israel na Torá é concebida como um novo Éden, incluindo uma série de preceitos agrícolas e alimentares especiais, como falei no post [114]. Afinal, a terra prometida é chamada de terra que emana leite e mel, e nesse sentido certamente uma terra de “delícias”, de “deleite” e “prazer”, como já vimos ser o significado literal para Éden. E é nesse sentido que o profeta Isaías associa o Éden a uma reversão — da desertificação ao reflorestamento — prometida à Sião (Jerusalém): de um “deserto” (pelo exílio) será transformada num Jardim do Éden (pelo retorno do exílio):
“Porque o Senhor consolará a Sião; consolará a todos os seus lugares assolados, e fará o seu deserto como o Éden, e a sua solidão como o jardim do Senhor; gozo e alegria se achará nela, ação de graças, e voz de melodia.” (Isaías 51:3)
É o sentimento refletido de forma muito emocionante no Salmo 126:
“Quando o SENHOR trouxe do cativeiro os que voltaram a Sião, estávamos como os que sonham.
Então a nossa boca se encheu de riso e a nossa língua de cântico; então se dizia entre os gentios: Grandes coisas fez o Senhor a estes.
Grandes coisas fez o Senhor por nós, pelas quais estamos alegres.
Traze-nos outra vez, ó Senhor, do cativeiro, como as correntes das águas no sul.
Os que semeiam em lágrimas segarão com alegria.
Aquele que leva a preciosa semente, andando e chorando, voltará, sem dúvida, com alegria, trazendo consigo os seus molhos.” (Salmos 126:1–6)
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