[79] Homossexualidade e Bíblia Hebraica 26- Ramos do Judaísmo Contemporâneo

A Estrela da Redenção
4 min readDec 14, 2020

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Agora que vimos à exaustão como o pensamento a respeito de práticas homoeróticas foi moldado na Bíblia Hebraica e na Tradição Judaica, chegou o momento de dizer como o judaísmo atualmente lida com essa questão.

Uma primeira divisão entre os judeus diz respeito à localização geográfica de suas comunidades na diáspora judaica. A divisão central ocorre entre judeus askhenazitas (europa cristã), judeus sefarditas (península ibérica e norte da áfrica) e judeus mizrahi (oriente médio), sendo que há também algumas comunidades menores que ficaram isoladas em relação ao judaísmo rabínico principal (Beta Israel, judeus etíopes), e outras comunidades que rejeitaram a tradição rabínica (judeus karaitas, no oriente médio).

Para simplificar a discussão aqui, vamos focar nos dois braços principais: askhenazi e sefarditas (dos quais os mizrahi estão mais próximos). A Halacha (Jurisprudência Judaica) Clássica, como compilada em codificações de Lei Judaica medievais, é quase a mesma entre os dois grupos, mas existem certas diferenças em ritos, costumes e estilo de interpretação (por exemplo, askhenazitas tenderiam a maior rigidez e sefarditas a maior leniência).

O mundo judaico askhenazi, como falei no post [53], é dividido em ramos: ortodoxos, conservadores/masorti, reformistas e reconstrucionistas. (E humanistas, mas não irei falar destes aqui) O mundo judaico sefardita NÃO é dividido em ramos.

Então, a rigor, apenas aos judeus askhenazitas se aplica a divisão em ramos, como ortodoxo, reformista etc. Os sefarditas tem conseguido se manter sem tais ramos, por meio de uma política conciliatória: os rabinos tendem a ser mais tradicionalistas, enquanto as comunidades em si podem ser mais ou menos tradicionais, mais ou menos liberais, etc. Desse modo, os judeus sefarditas individualmente podem ter posições que nós classificamos como reformistas, ou como masorti, ou como ortodoxas, mas essas divisões não lhe são ‘nativas’, e sim aplicadas por analogia.

Antes de prosseguir, cuidado: esses ramos judaicos entre os askhenazitas e a divisão askhenazita/sefardita NÃO são como as diferentes denominações cristãs. A divisão entre eles não ocorre por linhas doutrinárias, mas sim sobre qual a melhor maneira de conduzir a comunidade judaica e praticar uma vida com base na Torá nos dias de hoje.

Livro “Rabino eu tenho um problema… Uma perspectiva ortodoxa e uma perspectiva progressista dos problemas judaicos modernos”.

Dito isso, no que segue irei falar dos ramos judaicos entre os askhenazitas, e comentarei sobre a posição sefardita tradicional junto à posição dos ortodoxos (que são askhenazitas).

Como esses diferentes ramos judaicos lidam com a questão homossexual?

  1. O judaísmo ortodoxo (e a posição sefardita tradicional) mantém as regras da Halacha Clássica no sentido de proibir toda forma de homoerotismo, seja masculino ou feminino, mas reconhecendo que a proibição mais grave se refere ao sexo anal entre 2 homens. No caso dos sefarditas, historicamente houve mais leniência (na prática) quanto a essa questão que entre os askhenazitas. Entretanto, existem posições vanguardistas entre os ortodoxos que defendem tanto a legitimidade de certas formas de homoerotismo como a realização de casamentos/uniões entre parceiros do mesmo sexo de uma perspectiva de Halacha.
  2. O judaísmo conservador/masorti mantém a Halacha mas com atualizações feitas por um procedimento formal rabínico que permite a rediscussão da Halacha. Então existe uma Halacha conservadora, que é a clássica + as mudanças que eventualmente sejam decididas. A Halacha conservadora atual permite as relações homoafetivas exceto pela proibição bíblica do sexo anal entre homens, e também permite o casamento homossexual judaico. Mas deve-se destacar que as comunidades locais se quiserem podem optar por manter a linha mais clássica (ortodoxa).
  3. O judaísmo reformista entende a ética judaica como prevalente sobre a Halacha judaica, e por isso permite plenamente as relações homoafetivas (incluindo a prática do sexo anal entre homens) e o casamento homossexual judaico com base em considerações éticas e descobertas científicas. Mas pessoas individualmente podem optar por seguir uma linha mais como a da Halacha Conservadora ou a Halacha Ortodoxa PARA SI MESMAS, sem impor isso aos outros e desde que seja resultado de sua autonomia individual, não como uma imposição externa.
  4. O judaísmo reconstrucionista também entende a ética judaica como prevalente sobre a Halacha judaica (não obstante, esta ainda teria certo papel a desempenhar na reconstrução da civilização judaica na modernidade). Aqui, tal como entre os reformistas, relações homoafetivas (incluindo a prática do sexo anal entre homens) e o casamento homossexual judaico são plenamente aceitos com base em considerações éticas e descobertas científicas.

Como se pode observar, a maioria dos ramos atuais do judaísmo tem uma postura mais aberta na questão da homossexualidade do que a maioria dos ramos atuais do cristianismo!

Tal fato pode ser uma surpresa para quem está acostumado com a ladainha do ‘Velho’ Testamento como um livro de rigor exagerado e punitivo em relação ao qual o Novo Testamento seria supostamente superior por pregar só o amor, mas isso mostra mais uma vez o quão errado está esse mito tão propagado sobre as Escrituras Judaicas e o povo judeu!

Nos próximos posts iremos analisar cada um desses ramos individualmente.

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Written by A Estrela da Redenção

Releitura existencial da Bíblia Hebraica via existencialismo judaico + tradição judaica e pesquisa bíblica acadêmica. Doutor em Filosofia Valdenor Brito Jr.