[176] O Ethos Igualitário do Antigo Israel (evidência arqueológica)
Nós temos várias evidências de que o antigo Israel tinha um ethos igualitário, o qual influenciou decisivamente tanto a Bíblia Hebraica como a tradição rabínica.
A cultura judaica HÁ TRÊS MILÊNIOS é uma cultura com um ethos fortemente igualitário, em termos econômicos e sociais, especialmente entre pessoas do sexo masculino. Isso não significa que necessariamente as pessoas e famílias sempre tinham condições de vida aproximadas, mas que o ethos cultural favorecia e incentivava uma igualdade maior.
Além das evidências textuais encontradas na própria Bíblia Hebraica (discutidas nesta série nos posts [68]-[69] e neste blog em posts como [18]-[19]-[20]-[31]-[32]-[45]), nós temos evidências arqueológicas para a existência desse ethos igualitário no antigo Israel.
No livro “Israel’s Ethnogenesis: Settlement, Interaction, Expansion and Resistance” (2006), o arqueólogo Avraham Faust mostra que os sítios arqueológicos que correspondem aos assentamentos israelitas mais antigos são profundamente diferentes dos sítios arqueológicos bem próximos mas correspondentes aos assentamentos caananitas ou filisteus.
Os assentamentos israelitas exibem uma cultura material mais igualitária do que a de seus vizinhos caananitas ou filisteus durante as Idade do Ferro I e Idade do Ferro II, na qual ocorreu a etnogênese do povo israelita/judeu!
O período em questão vai dos séculos 13 ao 6 antes da era comum (1200–586 AEC), correspondendo ao período pré-monárquico (Idade do Ferro I) e ao período monárquico pré-exílico (Idade do Ferro 2), ou seja, aproximadamente de 3.200 a 2.600 anos atrás!
A evidência arqueológica coletada e analisada por Faust diz respeito ao fato de que, mesmo morando bem próximos entre si, a cultura israelita começou a se diferenciar da cultura caananita e filistéia por meio de certos marcadores de cultura material.
Os assentamentos israelitas ao longo da Idade do Ferro (I e II) apresentam as seguintes características distintivas:
- Ausência de ossos de porco;
- Ausência de tumbas, indicando sepultamentos simples e sem adornos [Idade do Ferro I];
- Cerâmica utilitária e não decorada;
- Ausência de cerâmica importada;
- Ausência de templos;
- Ausência de inscrições monumentais da realeza (mesmo após o estabelecimento da monarquia);
- Casa de quatro quartos, com acesso fácil entre os quartos e faltando um arranjo hierárquico óbvio.
Faust alerta várias vezes o leitor que a existência de um ethos igualitário na cultura não significa que necessariamente isso ocorre na prática e, em seu livro “The Archaeology of Israelite Society in Iron Age II”, de 2012, ele mostra como a estratificação e a hierarquia aumentaram durante os reinos pré-exílicos a despeito do ethos igualitário. Mas isso torna mais claro inclusive a própria crítica feita pelos profetas clássicos às injustiças sociais na fase final das monarquias e como eles retrabalham o ethos igualitário que já existia naquele contexto cultural!
A diferenciação étnica dos antigos israelitas em relação aos caananitas e filisteus, portanto, teve um aspecto social crucial. Esses povos vizinhos eram hierárquicos, exibindo vários marcadores de distinções de classe e de poder. A cultura israelita, em contraste, abdica de tais marcadores, exibindo uma simplicidade maior. Esse ethos conseguiu sobreviver mesmo à formação do Estado.
Assim, vemos que a etnogênese da cultura judaica que encontramos na Bíblia Hebraica está atrelada a um ethos anti-hierárquico onde a subordinação social é vista como indesejável e como algo a ser eliminado ou pelo menos minorado.
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