[90] Homossexualidade e Bíblia Hebraica 37- Escritores do Levítico Seriam Reformistas Hoje?
No post [88], indaguei se os Sábios do Talmude estariam afinados com posições vanguardistas (conservadoras ou da ortodoxia moderna) em matéria de Halacha (jurisprudência judaica) no que diz respeito à homossexualidade se vivessem hoje. Naquele post considerei que era bem plausível responder isso afirmativamente.
Neste post, indagaremos algo ainda mais longe: os sábios do Talmude, e mesmo os escritores do livro de Levítico, se vivos estivessem hoje, adotariam uma posição de ética judaica em consonância com a reformista e a reconstrucionista, no que diz respeito à homossexualidade?
Lembrando que, como vimos no post anterior, tal posição reformista/reconstrucionista é totalmente inclusiva em relação à expressão sexual homoafetiva, vendo-a como uma expressão legítima da sexualidade humana.
De fato, o judaísmo reformista e o reconstrucionista enfatizam o aspecto reformador dos rabinos talmúdicos. Em muitas instâncias eles modificaram e adaptaram normas e princípios considerando as necessidades de sua época ou como melhor fazer a vida judaica ser nas circunstâncias nas quais estavam. Como afirma o Rabino Jacques Cukiekorn, reformista, em seu livro “Judaísmo Acessível” (2015):
“O judaísmo jamais ficou parado; sempre está em movimento, às vezes mais rápido, às vezes mais lento. Sua história é uma história de continuidade e mudança. O judaísmo reformista afirma o caráter dinâmico e de desenvolvimento da tradição judaica.
O judaísmo nunca foi monolítico. Sempre houve diferentes correntes no judaísmo. Os saduceus, mais conservadores, e os fariseus, mais progressistas, representam apenas um de tantos conflitos no passado. Os reformistas afirmam a diversidade da tradição.” (p. 231)
Em relação à série presente, poderíamos nos perguntar: o espírito adaptativo dos Sábios, se vivos estivessem hoje, não seria justamente na direção de uma postura reformista na questão da homossexualidade? E talvez ainda mais atrás, o mesmo não poderia ser dito dos próprios escritores do livro de Levítico, de onde provém os únicos 2 trechos em toda a Escritura que tratam da questão homossexual?
O Rabino reformista Charles David Isbell nos leva a refletir um pouco sobre isso. Em seu texto “Another View of Homosexuality” (2009; sequência para “Homosexuality, the Bible, and the Rabbis”), ele aborda como as ferramentas interpretativas dos Chazal convidam a uma leitura contextualizada e mutante dos textos bíblicos e tradições orais pertinentes.
Um dos treze princípios básicos de interpretação seguidos pelos rabinos demanda que atenção seja dada ao contexto. Esse contexto pode dizer respeito tanto aos textos imediatamente circundantes a certo trecho, como tão longe quanto ao todo da narrativa bíblica. Nesse âmbito contextual alargado vemos que, entre algumas das exigências mais rigorosas e constantes da Bíblia, está a responsabilidade para com órfãos, viúvas, estrangeiros, velhos, fracos e fisicamente deficientes.
R. Isbell nos convida a pensar, olhando para essa preocupação disseminada das Escrituras, no que o escritor do livro de Levítico pensaria se pudéssemos informá-lo que nós sabemos cientificamente que o bom Senhor em sua sabedoria escolheu criar aproximadamente 8 a 10% de nós com uma predisposição a ser atraídos por membros de nosso próprio sexo.
Ninguém argumentaria que uma viúva escolhe a morte de seu marido, ou que órfãos escolhem a morte de seus pais, ou que uma pessoa cega escolheu sua condição física.
R. Isbell pensa que os autores do livro do Levítico ficariam muitos surpresos em aprender que ninguém escolhe nem sua heterossexualidade nem sua homossexualidade, e tal conhecimento novo poderia ter tido um efeito drástico sobre a interpretação que eles deram a esse assunto.
Armados com um entendimento mais adequado da sexualidade humana, os autores bíblicos poderiam muito bem ter acrescentado os homossexuais àquela lista daqueles que a sociedade israelita estava obrigada a proteger, junto com um pronunciamento curto de que a maneira como tratamos nossos irmãos e irmãs homossexuais diz mais sobre o tipo de pessoa que somos do que algo sobre eles.
E R. Isbell segue o raciocínio por pensar que também Paulo, tivesse a chance de ser explicado isso a ele, também não poderia afirmar o que afirmou no Novo Testamento cristão.
Ele conclui falando sobre os rabinos do Talmude. Se pudéssemos explicar a eles que os relacionamentos homossexuais não foram escolhidos em uma tentativa de desobedecer o claro chamado de Deus ‘sejais frutíferos’, mas é simplesmente uma expressão natural do DNA decretada pelo Criador em sua sabedoria, no que isso afetaria sua visão sobre o assunto? R. Isbell sugere que poderíamos nos surpreender muito com a resposta.
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