[153] Os Profetas falam dos Messias? Profetas Literários (Isaías a Malaquias)
Dando continuidade ao propósito de fornecer aos leitores do blog o panorama geral de se e como a esperança messiânica emerge em diferentes partes da Bíblia Hebraica, analisarei aqui os livros dos Profetas Literários ou Profetas Posteriores, a segunda e última parte dos Neviim, com 15 livros de gênero profético, contendo as poesias e profecias dos 3 Profetas Maiores e 12 Profetas Menores. Anteriormente, analisei a Torá ([150]), a primeira parte dos Neviim, com os livros históricos dos Profetas Anteriores ([151]), e o caso samaritano que aceita apenas Torá sem Neviim nem Ketuvim ([152]).
Antes de adentrar no tópico, é preciso observar que a Ordem Judaica dos livros da Bíblia Hebraica é diferente daquela que se encontra no “Velho” Testamento de uma Bíblia Cristã. Mesmo que no caso cristão protestante, os livros do “Velho” Testamento sejam exatamente os mesmos da Bíblia Judaica, a ordem dos livros é diferente. Isso pode parecer um detalhe menor, mas na verdade essa alteração tem um impacto significativo no entendimento. Por conta disso, aqui será usada a divisão original, i. e. judaica, dos livros da Bíblia Hebraica em 3 coletâneas: 1) Torá; 2) Neviim/Profetas; 3) Ketuvim/Escritos. Revise o post [112] se preciso.
Outro ponto preliminar é que a Bíblia Hebraica NÃO se preocupa com salvação espiritual da alma, e em verdade a própria questão da vida após a morte praticamente NÃO ocorre nela (com a grande exceção do livro mais tardio, o de Daniel, que se refere a uma ressurreição de ‘alguns’ num futuro indeterminado, sem, porém, fornecer nenhuma doutrina sistemática a respeito). Revise os posts [27]-[28] se preciso. Tudo o que esses livros se preocupam é com esta vida aqui e agora. Geralmente essa concepção existencial está no background. O destino de alguém após a morte sequer é cogitado. Nós simplesmente vemos uma sucessão de vidas e gerações. Pessoas indo e vindo numa história comunitária. A grande questão é a persistência da comunidade. O indivíduo morre, mas a comunidade permanece — e assim permanece também o seu legado para a continuação dessa história. Isso é relevante para entender porque a ideia de Messias se desenvolverá.
Por fim, ainda preliminarmente, já discuti extensivamente no blog a respeito da natureza do Profetismo Israelita Clássico. Se quiser, veja posts [17]-[18]-[19]-[20]-[23]-[24]-[25]-[26]-[30]-[31]-[32]-[33]-[34]-[35]-[36]-[37]-[38]-[39]-[40]-[41]-[44]-[45]-[46]-[47]-[48]-[112]-[121]-[132]-[134]-[139]-[140]-[141]-[142].
Agora, adentrando na questão da relação entre os Profetas Literários e a esperança messiânica, um ponto importante é que quase todos os Livros dos Profetas são compilações das mensagens e poesias ditas por esses Profetas enquanto atuaram falando ao povo, às elites e aos governantes. Sua escrita começou no próprio tempo de vida de cada profeta (muitas vezes pela pena do próprio profeta em questão) e foi finalizada pouco depois da vida do profeta em questão por meio de escribas interessados em registrar tais poemas e discursos. (A única exceção a isso é o livro de Jonas, que é uma parábola ou lenda contendo Jonas como personagem)
Nesse sentido, os Profetas Literários sempre estão preocupados em falar à sua geração, às vicissitudes daquela época e daquele contexto sociopolítico. Inclusive os profetas se envolviam muito com a política de Israel e Judá, e mesmo com a política internacional, defendendo a causa da justiça para com os vulneráveis, criticando os malfeitos das elites e desincentivando alianças comprometedoras com Impérios opressivos.
O principal tema que perpassa todos os Profetas Literários é o “Dia de YHWH”: várias ocasiões nas quais o Deus de Israel traz seu juízo indignado contra diversas nações, por suas injustiças, e contra o povo de Israel, por suas injustiças e idolatria (em transgressão à Aliança), se as nações e Israel persistem em sua injustiça (e, no caso de Israel, na idolatria, uma vez que a rejeição desta era exigida apenas do povo escolhido).
O resultado desse Julgamento dos Povos seria trazer redenção aos oprimidos, por quebrar as estruturas opressivas responsáveis pela opressão, geralmente um governo ou uma elite dominantes (ou seja, fala-se aqui de redenções no decurso da própria história, e não num ‘fim da história’, como é na apocalíptica; não se deve confundir o profetismo com a apocalíptica!).
Ao contrário da crença popular, o Profetismo Israelita Clássico não tinha por objetivo “prever o futuro”, mas sim admoestar a realização da justiça e da retidão em nível sociopolítico (fazer justiça social ao necessitado, ao órfão, à viúva, etc.), tendo como pano de fundo que Deus deseja trazer libertação aos injustiçados por entrar em juízo contra aqueles que os oprimem.
Como nos Profetas Israelitas não existe qualquer consideração de uma vida individual após a morte, eles entendem o Julgamento em termos históricos e comunitários, a partir de um pensamento de longuíssimo prazo, focando nas gerações futuras. Assim, do ponto de vista da pessoa individual, falam de uma participação histórica e sociopolítica em um projeto transindividual de redenção humana (com a libertação de toda opressão almejada para gerações futuras), sendo preparado ao longo da história do povo judeu e, por extensão, da humanidade.
Esse pensamento foi cultivado pelos Profetas Literários a partir de um estímulo muito forte: faziam parte de um povo muito pequeno, ameaçado por Impérios muito maiores e opressivos, e os mais antigos entre os Profetas viram diante de si a possibilidade eminente de extinção de todo o seu povo.
Deve-se lembrar que o Profetismo Israelita Clássico começa no período já monárquico da história israelita, com a divisão entre 2 Reinos, o do Norte (Israel, sob preponderância da tribo de Efraim) e o do Sul (Judá, sob preponderância da tribo de mesmo nome, sob a dinastia ininterrupta de Davi, e contendo o Templo em Jerusalém).
Os livros que revisaremos a seguir testemunharam um período que vai de: 1) os 2 Reinos existindo em paralelo; 2) o Reino do Norte ser destruído pelos assírios, sobrando apenas o de Judá; 3) o Reino de Judá ser destruído pelos babilônios e sofrer exílio, com o Templo também destruído; 4) o retorno de exilados do Reino de Judá, para reconstruir Jerusalém e o Templo, mas sem formar um reino autônomo, mas sim uma província do Império Persa. Ou seja, é um período que vai do 8º ao 5º século AEC (começando por volta de 760 AEC, i. e. há 2.790 anos atrás).
É comum encontrarmos por aí uma interpretação de que o objetivo dos Profetas Literários fosse dar previsões sobre o Messias (e mais especificamente, sobre o Messias entendido na maneira cristã). Isso é um equívoco grave. Esses livros estão muito mais preocupados com acontecimentos daquela época envolvendo Israel e Judá, especialmente a questão do provável exílio (pela transgressão de Israel e/ou das nações) e do retorno garantido do exílio (pela bondade e compromisso com a Aliança por parte de Deus). O Redentor de Israel é primeiro e acima de tudo o Deus de Israel. É apenas de forma secundária que parte dos Profetas Literários também darão um papel a figuras protomessiânicas de caráter dinástico, sacerdotal ou profético. Ao fazê-lo, lançaram grande parte do imaginário messiânico da tradição oral judaica formada ao redor desses escritos.
Aqui não darei um aprofundamento exaustivo de como essa questão aparece em cada um deles. O motivo é que são obras complexas e o texto ficaria excessivamente grande. Por isso, trarei esse aprofundamento em vários textos dedicados só aos livros proféticos da Bíblia Hebraica. Aqui apresentarei sucintamente como tais livros levantam ou não elementos ‘messiânicos’, na ordem cronológica dos profetas mais antigos aos mais recentes (com 2 casos extras cuja cronologia é mais incerta). Sem mais delongas, o panorama geral do Profetismo Israelita Clássico:
1. Os Profetas Literários que pregaram junto ao Reino do Norte, sob a ameaça de destruição pelo Império Assírio:
Aqui se enquadram Amós e Oséias, os mais antigos entre os Profetas Literários. A principal esperança desses livros (e que vai ser a constante herdada por todos os demais profetas) reside na fidelidade do Deus de Israel, que, mesmo permitindo que a ruína sobrevenha sobre o povo de Israel da Região Norte (e sobre a Casa de José), futuramente resgatará os israelitas entre todas as nações.
Aqui ainda não se pensava que o povo de Israel da Região Sul (e a Tribo de Judá/Casa de Davi) fosse sofrer a mesma ruína, e não se coloca grande peso na questão de futuros reis descendentes de Davi, pois a continuidade dessa dinastia ainda parecia segura. Davi chega a ser citado nesses 2 livros, mas o motivo central para isso é simplesmente a reconciliação entre Norte e Sul.
A Redenção é obra de Deus, não de figuras messiânicas. Ela se compõe de duas coisas: 1) o resgate dos israelitas cativos sob os opressores de Israel; 2) o fim da guerra e de toda opressão, permitindo uma existência serena e tranquila.
“Porque eis que darei ordem, e sacudirei a casa de Israel entre todas as nações, assim como se sacode grão no crivo, sem que caia na terra um só grão. […]
E trarei do cativeiro meu povo Israel, e eles reedificarão as cidades assoladas, e nelas habitarão, e plantarão vinhas, e beberão o seu vinho, e farão pomares, e lhes comerão o fruto.
E plantá-los-ei na sua terra, e não serão mais arrancados da sua terra que lhes dei, diz o Senhor teu Deus.” (Amós 9:9, 11–12, 14–15)
“Porque os filhos de Israel ficarão por muitos dias sem rei, e sem príncipe, e sem sacrifício, e sem estátua, e sem éfode ou terafim.
Depois tornarão os filhos de Israel, e buscarão ao Senhor seu Deus, e a Davi, seu rei; e temerão ao Senhor, e à sua bondade, no fim dos dias.” (Oséias 3:4,5)
“E naquele dia farei por eles aliança com as feras do campo, e com as aves do céu, e com os répteis da terra; e da terra quebrarei o arco, e a espada, e a guerra, e os farei deitar em segurança.
E desposar-te-ei comigo para sempre; desposar-te-ei comigo em justiça, e em juízo, e em benignidade, e em misericórdias.
E desposar-te-ei comigo em fidelidade, e conhecerás ao Senhor.
[…]
E semeá-la-ei para mim na terra, e compadecer-me-ei dela que não obteve misericórdia; e eu direi àquele que não era meu povo: Tu és meu povo; e ele dirá: Tu és meu Deus!” (Oséias 2:18–20, 23)
2. Os Profetas Literários que pregaram junto ao Reino do Sul, após o Reino do Norte já ter sido destruído (ou em vias de sê-lo) pelo Império Assírio, nos dias em que o Império Assírio ameaçava destruir também o Reino do Sul:
Aqui se enquadram Isaías (primeira metade do livro), Miquéias e Naum. (O início do ministério de Isaías ainda pegou o Reino do Norte existindo, mas em vias de deixar de existir, enquanto os demais começaram após a ruína do Norte já estar consumada)
A principal questão era como evitar que o Reino de Judá sofresse o mesmo destino de seus irmãos israelitas do Norte, e os Profetas recomendavam não entrar em alianças apesar do risco de serem esmagados, de um lado, pelos egípcios, e de outro, pelos assírios.
Isaías foi o mais vocal em depositar suas esperanças num Rei davídico que nasceria, enfatizo, NAQUELA MESMA GERAÇÃO. Esse novo Rei seria justo e renovaria a aliança entre Deus e os israelitas de Judá durante seu reinado. A destruição trazida pelos Assírios seria evitada justamente sob o domínio desse Rei (apesar de por pouco não ter acontecido, pois o Império Assírio estava no seu auge de conquistas).
“Portanto o mesmo Senhor vos dará um sinal: Eis que a jovem conceberá, e dará à luz um filho, e chamará o seu nome Emanuel.
Manteiga e mel comerá, quando ele souber rejeitar o mal e escolher o bem.
Na verdade, antes que este menino saiba rejeitar o mal e escolher o bem, a terra, de que te enfadas, será desamparada dos seus dois reis.” (Isaías 7:13–16)
“Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu, e a autoridade está sobre os seus ombros, e o Maravilhoso Conselheiro, o Deus Forte e Pai Eterno o alcunhou de Príncipe da Paz [Sar-Shalom].
Para aumentar sua autoridade e para paz sem fim, sobre o trono de Davi e no seu reino, para o firmar e o fortificar com juízo e com justiça, desde agora e para sempre; o zelo do Senhor dos Exércitos fará isto.” (Isaías 9:6,7)
Essas palavras foram ditas ao Rei Acaz de Judá, e o objeto de tal esperança era o filho de Acaz, o futuro Rei Ezequias. Toda a primeira parte do livro de Isaías dedica-se ao desenrolar disso, onde Deus livra Judá dos assírios sob o governo de Ezequias. Então, podemos dizer que, para Isaías, o Ungido, o Messias, era o Rei Ezequias, a quem o próprio Isaías assessorou como Profeta da Corte.
De fato, essa posição a respeito de Ezequias fora tão clara que um rabino de alto calibre do Talmude, séculos depois, chega a dizer que o Messias já veio e não mais virá porque Israel já teve bastante dele; e o Messias teria sido o Rei Ezequias! (Rav Hilel, Sanhedrin 99a)
Diante da opressão assíria, o anseio de Isaías era pelo dia que toda a guerra e violência iria acabar:
“E ele julgará entre as nações, e repreenderá a muitos povos; e estes converterão as suas espadas em enxadões e as suas lanças em foices; uma nação não levantará espada contra outra nação, nem aprenderão mais a guerrear.” (Isaías 2:2–4)
Já Miquéias teve uma mensagem bem similar a de Isaías, também ansiando por um tempo de paz universal:
“E julgará entre muitos povos, e castigará nações poderosas e longínquas, e converterão as suas espadas em pás, e as suas lanças em foices; uma nação não levantará a espada contra outra nação, nem aprenderão mais a guerra.
Mas assentar-se-á cada um debaixo da sua videira, e debaixo da sua figueira, e não haverá quem os espante, porque a boca do Senhor dos Exércitos o disse.” (Miquéias 4:1–4)
Aqui a questão da dinastia de Davi é apenas mencionada rapidamente, lembrando a cidade de Belém como local de nascimento de Davi e enfatizando como um Rei dessa dinastia haveria de guiar o povo com justiça.
“E tu, Belém Efrata, posto que pequena entre os milhares de Judá, de ti me sairá o que governará em Israel, e cujas saídas são desde o passado, de tempos antigos.” (Miquéias 5:2–4)
Por fim, Naum traz poesias celebrando a iminente queda do Império Assírio (seja algumas décadas antes da queda propriamente dita seja imediatamente após a queda). Nele a esperança toda centra-se em como Deus derruba o opressor, permitindo ao oprimido viver novamente em tranquilidade. A questão da dinastia de Davi não exerce nenhum papel nesse livro.
3. Os Profetas Literários que pregaram junto ao Reino do Sul, após o Império Assírio ter caído, mas agora havendo a nova ameaça do Império Babilônio destruir Judá (o que resultará no exílio babilônico):
Aqui temos Habacuque, Sofonias, Jeremias e Obadias. Habacuque e Sofonias exercem sua atividade antes do exílio babilônico, Jeremias exerce sua atividade na proximidade do exílio e testemunha o exílio acontecendo diante de si, e Obadias escreve em reação imediata ao testemunhar a ruína de Jerusalém.
Habacuque se centra na questão de que a opressão dos assírios passou por conta dos babilônios, mas isso levava a um paradoxo, pois, para remediar o mal assírio, estava crescendo um novo mal, o babilônico. Usar esses Impérios opressivos como instrumentos de justiça, quando tais Impérios são injustos, intriga o profeta e o faz questionar Deus a respeito.
O mais próximo de um tom messiânico está no Salmo do capítulo final desse livro, mas ali se imagina Deus vindo resgatar tanto o seu povo como o seu Ungido. Ou seja, aqui ao invés do Messias livrar o povo de seus opressores, na verdade Deus precisa livrar o próprio ‘Messias’ (usado genericamente, i. e. um rei ou sacerdote ungido) dos opressores. Portanto, provavelmente a questão aqui está mais em Deus proteger o rei de Judá que estivesse no cargo no dia que Deus trouxesse a libertação.
“Tu saíste para livrar o teu povo, para livrar o teu ungido; tu feriste a cabeça da casa do ímpio, descobrindo o alicerce até ao pescoço. (Selá.)” (Habacuque 3:13)
Sofonias traz uma mensagem baseada em um exílio iminente pelas mãos dos babilônios, mas tendo esperança que um remanescente fiel poderia, se não reverter esse cruel espectro, sobreviver a ele, e Deus recordaria desse remanescente para trazer os exilados de volta e reconstruir Sião. Além disso, o objetivo final seria destruir todos aqueles que fizeram mal injustamente aos israelitas. Nesse dia Deus será o REI de Israel. Em Sofonias, a dinastia davídica não exerce forte papel.
“O Senhor afastou os teus juízos, exterminou o teu inimigo; o Senhor, o rei de Israel, está no meio de ti; tu não verás mais mal algum.
[…] Naquele tempo vos farei voltar, naquele tempo vos recolherei; certamente farei de vós um nome e um louvor entre todos os povos da terra, quando fizer voltar os vossos cativos diante dos vossos olhos, diz o Senhor.” (Sofonias 3:15–20)
Jeremias é o profeta que tem como papel viver os dias ‘sem esperança’ que levam inevitavelmente ao exílio babilônico e à destruição de Jerusalém e do próprio Templo, tudo isso também sendo testemunhado por ele. É o Profeta que mais reflete sobre o SOFRIMENTO DIVINO, onde Deus Ele mesmo sofre exílio junto a seu povo. Mas também é o Profeta que promete esperança aos exilados, estabelecendo um prazo de 70 anos para que o exílio babilônico acabasse.
Em Jeremias a questão a respeito da dinastia de Davi (bem como das linhagens sacerdotais) aparece mais no sentido de que, apesar da destruição completa contra Judá naquele momento, a aliança com a dinastia de Davi não seria esquecida, e Davi continuaria tendo descendentes com legitimidade dinástica para liderar Sião:
“Eis que vêm dias, diz o Senhor, em que cumprirei a boa palavra que falei à casa de Israel e à casa de Judá;
Naqueles dias e naquele tempo farei brotar a Davi um Renovo de justiça, e ele fará juízo e justiça na terra.
Naqueles dias Judá será salvo e Jerusalém habitará seguramente; e este é o nome com o qual Deus a chamará: O Senhor é a nossa justiça.
Porque assim diz o Senhor: Nunca faltará a Davi homem que se assente sobre o trono da casa de Israel;
Nem aos sacerdotes levíticos faltará homem diante de mim, que ofereça holocausto, queime oferta de alimentos e faça sacrifício todos os dias.
E veio a palavra do Senhor a Jeremias, dizendo:
Assim diz o Senhor: Se puderdes invalidar a minha aliança com o dia, e a minha aliança com a noite, de tal modo que não haja dia e noite a seu tempo,
Também se poderá invalidar a minha aliança com Davi, meu servo, para que não tenha filho que reine no seu trono; como também com os levitas, sacerdotes, meus ministros.
Como não se pode contar o exército dos céus, nem medir-se a areia do mar, assim multiplicarei a descendência de Davi, meu servo, e os levitas que ministram diante de mim.” (Jeremias 33:14–22)
Por fim, Obadias é o profeta que testemunha a destruição de Jerusalém pelos babilônios, mas foca em um detalhe: a maneira como os Edomitas (um povo que Israel/Judá entendia como seu aparentado; Jacó e Esaú seriam irmãos, dos quais vieram respectivamente Israel e Edom) se aproveitaram da ruína de Jerusalém para saqueá-la e maltratar os israelitas fugitivos. Por conta dessa crueldade, a região de Edom seria no futuro incorporada à terra de Israel (sob a casa de Judá e de José). Aqui nenhum papel em particular é desempenhado pela dinastia davídica.
4. Os Profetas Literários que pregaram junto aos judeus exilados do extinto Reino do Sul, estando eles mesmos exilados em Babilônia:
Aqui se enquadram Ezequiel e a 2ª Metade do livro de Isaías. Aqui Isaías aparece de novo, porque 1 ou 2 profetas de nome Isaías (ou de tradição isaiânica) vivendo nas proximidades do fim do exílio tiveram suas profecias compiladas juntas à do Isaías que vivera nos tempos do Rei Ezequias séculos antes. Então, rigorosamente falando, a primeira e a segunda parte do livro de Isaías contém profecias de profetas diferentes (sendo que a própria segunda parte pode ser obra de 2 profetas diferentes, o último escrevendo um pouco depois do fim do exílio, mas não precisaremos nos preocupar com isso aqui).
Ezequiel era um sacerdote que foi exilado, e em Babilônia ele recebe um chamado profético para atuar junto aos judeus exilados. Sua deportação ocorre antes da destruição do Templo, e numa visão profética ele vê o Templo sendo destruído. O tema principal desse livro é o exílio da Presença Divina, por ter perdido sua casa em Jerusalém, e o anseio dessa Presença Divina em habitar novamente com seu povo, Israel/Judá. A esperança de Ezequiel está em Deus vir novamente habitar com seu povo, com o surgimento de um futuro Templo que ele descreve em detalhes nos capítulos finais desse livro.
Em Ezequiel, a questão de um futuro Rei Davídico específico não exerce um papel importante, pois ele enfatiza mais o papel desse sacerdócio futuro (‘messiânico’) junto a um novo Templo como a marca da Redenção. Contudo, o Profeta reconhece que à dinastia davídica está assegurada a liderança sobre Jerusalém, sob uma reunificação do Norte e do Sul.
“Assim diz o Senhor DEUS: Eis que eu tomarei os filhos de Israel dentre os gentios, para onde eles foram, e os congregarei de todas as partes, e os levarei à sua terra.
E deles farei uma nação na terra, nos montes de Israel, e um rei será rei de todos eles, e nunca mais serão duas nações; nunca mais para o futuro se dividirão em dois reinos.
[…] E meu servo Davi será rei sobre eles, e todos eles terão um só pastor; e andarão nos meus juízos e guardarão os meus estatutos, e os observarão.
E habitarão na terra que dei a meu servo Jacó, em que habitaram vossos pais; e habitarão nela, eles e seus filhos, e os filhos de seus filhos, para sempre, e Davi, meu servo, será seu príncipe eternamente.
E farei com eles uma aliança de paz; e será uma aliança perpétua. E os estabelecerei, e os multiplicarei, e porei o meu santuário no meio deles para sempre.
E o meu tabernáculo estará com eles, e eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo.
E os gentios saberão que eu sou o Senhor que santifico a Israel, quando estiver o meu santuário no meio deles para sempre.” (Ezequiel 37:21–28)
“E eis que a glória do Deus de Israel vinha do caminho do oriente; e a sua voz era como a voz de muitas águas, e a terra resplandeceu por causa da sua glória.
E o aspecto da visão que tive era como o da visão que eu tivera quando vim destruir a cidade; e eram as visões como as que tive junto ao rio Quebar; e caí sobre o meu rosto.
E a glória do Senhor entrou na casa pelo caminho da porta [do misterioso novo Templo visto pelo profeta], cuja face está para o lado do oriente.
E levantou-me o Espírito, e me levou ao átrio interior; e eis que a glória do SENHOR encheu a casa.
E ouvi alguém que falava comigo de dentro da casa, e um homem se pôs em pé junto de mim.
E disse-me: Filho do homem, este é o lugar do meu trono, e o lugar das plantas dos meus pés, onde habitarei no meio dos filhos de Israel para sempre; e os da casa de Israel não contaminarão mais o meu nome santo, nem eles nem os seus reis” (Ezequiel 43:2–7)
Já a segunda parte do livro de Isaías entende que o Ungido, o Messias trazendo o retorno dos judeus exilados não é um Rei Davídico judeu, mas sim um Rei Persa, Ciro, o governante do Império Persa que derrota o Império Babilônio.
“Assim diz o SENHOR ao seu ungido, a Ciro, a quem tomo pela mão direita, para abater as nações diante de sua face, e descingir os lombos dos reis, para abrir diante dele as portas, e as portas não se fecharão.” (Isaías 45:1)
A esperança da segunda parte de Isaías não se foca na dinastia de Davi, mas na cidade de Jerusalém em si. Sião será uma mãe que congregará todos os exilados, cujo retorno foi proporcionado pelo Rei Persa Ciro.
“Também virão a ti, inclinando-se, os filhos dos que te oprimiram; e prostrar-se-ão às plantas dos teus pés todos os que te desprezaram; e chamar-te-ão a cidade do Senhor, a Sião do Santo de Israel.
Em lugar de seres deixada, e odiada, de modo que ninguém passava por ti, far-te-ei uma excelência perpétua, um gozo de geração em geração.” (Isaías 60:14–15)
Por fim, o Segundo-Isaías também traz uma série de poemas a respeito do “Servo do Eterno”, que falam metaforicamente do sofrimento desse Servo como trazendo redenção. O Servo é identificado como o povo judeu, ou o remanescente justo do povo judeu, que foi maltratado injustamente pelas nações com o exílio. Mas por meio do exílio mesmo de judeus justos e inocentes o caminho para a redenção fora assegurado.
“Agora, pois, ouve, ó Jacó, servo meu, e tu, ó Israel, a quem escolhi.” (Isaías 44:1)
“Verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido. Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e moído por causa das nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados.” (Isaías 53:4,5)
5. Os Profetas Literários que pregaram junto aos judeus retornados do exílio babilônico, na época que o Templo foi reconstruído em Sião:
Aqui entram Ageu, Zacarias e Malaquias.
Ageu e Zacarias focam na reconstrução do Templo. Para esses dois profetas, os Ungidos, os ‘Messias’, são Zorobabel um descendente de Davi nomeado governador da província persa de Judá e Josué o Sumo-Sacerdote da época.
“Fala a Zorobabel, governador de Judá, dizendo: Farei tremer os céus e a terra;
E transtornarei o trono dos reinos, e destruirei a força dos reinos dos gentios; e transtornarei os carros e os que neles andam; e os cavalos e os seus cavaleiros cairão, cada um pela espada do seu irmão.
Naquele dia, diz o Senhor dos Exércitos, tomar-te-ei, ó Zorobabel, servo meu, filho de Sealtiel, diz o Senhor, e far-te-ei como um anel de selar; porque te escolhi, diz o Senhor dos Exércitos.” (Ageu 2:21–23)
“Então ele disse: Estes são os dois ungidos, que estão diante do Senhor de toda a terra.” (Zacarias 4:1–14)
“Toma, digo, prata e ouro, e faze coroas, e põe-nas na cabeça do sumo sacerdote Josué, filho de Jozadaque.
E fala-lhe, dizendo: Assim diz o SENHOR dos Exércitos: Eis aqui o homem cujo nome é RENOVO; ele brotará do seu lugar, e edificará o templo do SENHOR.
Ele mesmo edificará o templo do Senhor, e ele levará a glória; assentar-se-á no seu trono e dominará, e será sacerdote no seu trono, e conselho de paz haverá entre ambos os ofícios.” (Zacarias 6:11–15)
Na segunda parte do livro de Zacarias, há também uma visão que se assemelha muito ao luto e choque pela morte do Rei Josias em Megido, um dos reis justos de Judá que morreu em combate, no período da iminência do exílio babilônico. Isso será importante para o imaginário do Messias filho de José na tradição judaica oral.
“e chorarão amargamente por ele, como se chora amargamente pelo primogênito. Naquele dia será grande o pranto em Jerusalém, como o pranto de Hadade-Rimom no vale de Megido.” (Zacarias 12:7–14)
Mas logo em seguida a essa morte inocente chocante o Reino de Deus emerge derrotando todos os opressores em todo o mundo:
“E o Senhor será rei sobre toda a terra; naquele dia um será o Senhor, e um será o seu nome.” (Zacarias 14:9)
Também cabe mencionar que é de uma visão de Zacarias que a tradição judaica oral irá tirar a ideia de quatro figuras messiânicas vista no post [149]:
“E levantei os meus olhos, e vi, e eis quatro chifres.
E eu disse ao anjo que falava comigo: Que são estes? E ele me disse: Estes são os chifres que dispersaram a Judá, a Israel e a Jerusalém.
E o Senhor me mostrou quatro carpinteiros.
Então eu disse: Que vêm estes fazer? E ele falou, dizendo: Estes são os chifres que dispersaram a Judá, de maneira que ninguém pôde levantar a sua cabeça; estes, pois, vieram para os amedrontarem, para derrubarem os chifres dos gentios que levantaram o seu poder contra a terra de Judá, para a espalharem.” (Zacarias 1:18–21)
Por fim, Malaquias traz o último elemento que faltava para o imaginário judaico tradicional a respeito do Messias: o retorno do Profeta Elias.
“Eis que eu vos enviarei o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível dia do Senhor; E ele converterá o coração dos pais aos filhos, e o coração dos filhos a seus pais; para que eu não venha, e fira a terra com maldição.” (Malaquias 4:5–6)
# Bônus: os Profetas com datação incerta.
Aqui se encaixam Joel e Jonas (não entrarei aqui nos detalhes de porque sua datação gera problemas).
Em ambos os livros a questão da dinastia de Davi não exerce nenhum papel. Jonas não fala da redenção de Israel (mas afirma a convicção de que Deus resgata o aflito; Jonas 2), mas Joel fala disso, como algo que Deus trará para vingar o sofrimento inocente e injustificado do seu povo nas mãos de outras nações:
“Porque, eis que naqueles dias, e naquele tempo, em que removerei o cativeiro de Judá e de Jerusalém,
Congregarei todas as nações, e as farei descer ao vale de Jeosafá; e ali com elas entrarei em juízo, por causa do meu povo, e da minha herança, Israel, a quem elas espalharam entre as nações e repartiram a minha terra.
E lançaram sortes sobre o meu povo, e deram um menino por uma meretriz, e venderam uma menina por vinho, para beberem.” (Joel 3:1–3)
Dessa forma, observamos um pouco da complexidade envolvida na maneira como os diferentes Profetas Literários imaginam a Redenção de Israel e o papel de figuras dinásticas, sacerdotais ou proféticas nisso. Os Profetas não articulam uma concepção unificada acerca dos Messias de Israel, e muito do que eles falam é altamente poético e metafórico. Todos esses símbolos poéticos utilizados apontam para algo que eles consideram muito real: a Fidelidade de Deus à sua Aliança e sua solidariedade para com os oprimidos resultaria em Redenção para Israel e para o mundo inteiro, em gerações futuras. Seu anseio comum é muito mais por uma Era Messiânica do que por figuras individuais (tanto que nem todos os profetas anunciam a vinda de algum indivíduo específico por ocasião da redenção).
É por conta disso que os símbolos são utilizados flexivelmente pelos Profetas, ao ponto que Reis ou Sacerdotes em momentos marcantes de livramento para o povo são Ungidos, ‘Messias’ (Ezequias; Zorobabel; Sumo-Sacerdote Josué; o próprio Rei Persa Ciro; lembre também de como o Deuteronomista via Josias). Assim, na própria ancestralidade profética já vemos o modelo plural que caracterizará o messianismo tradicional judaico, admitindo múltiplas figuras messiânicas, inclusive aspirantes messiânicos da geração.
A esperança messiânica tradicional dentro do judaísmo beberá dessa matéria-prima poética muito rica em termos de imaginário e sentimentos, com um apelo existencial e sociopolítico tão marcante, ao longo dos séculos que vão desde o desde o fim do Profetismo Israelita Clássico (com a reconstrução do Templo pós-exílio) até a destruição do Segundo Templo pelos romanos e o subsequente exílio romano. O exílio romano lança o povo judeu numa existência diaspórica que perdurará milênios, até nossos dias, ocasionando uma série de desenvolvimentos profundos nessa imaginação messiânica iniciada pelos livros proféticos escritos ao redor do exílio babilônico…
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